Por um momento os amantes são poetas
Por toda vida os poetas são amantes
Por toda vida os poetas são amantes
Soprava suave o vento na Praia da Ponta. Ondas amenas e um sol carinhoso tocavam delicadamente a pele salpicada de sardas. O biquíni a deixava provocante, os seios fartos, discretamente guardados, as pernas bem torneadas e as nádegas abauladas não se envergonhavam da barriga que não tinha.
— Morgana!
— Robert!...
Abraçaram-se cordialmente e o beijo que se dão os cavalheiros e as damas saiu fora do prumo e escorregou no canto da boca. Robert ficou envergonhado. Não fizera de propósito. Morgana ficou sem graça.
— Posso sentar?
—Sim, sim, respondeu ela.
—Há quanto tempo não nos vemos!
— Pois é, quanto tempo...
—Vens sempre aqui — perguntou meio sem jeito.
— Raramente venho aqui. Falta-me companhia.
—Agora não te faltará mais, se aceitares a minha.
—Ora, como não? Deixe-me te apresentar minha prima.
Saía do mar para a ducha uma morena que a um sinal de Morgana, aproximou-se da mesa, uma mesinha de praia com quatro cadeiras. Robert imaginou-se intruso. “São quatro cadeiras, portanto quatro pessoas. Sem contar com ele, faltavam duas. Provavelmente um rapaz que deve ser o namorado da Morga e o outro, o namorado da prima”.
— Robert esta é Gabriela, Gabriela, este é Robert...
O resto era sol e mar. Praia, areia na pele, pele na areia, pés na areia, areia entre os dedos... Ele enfiava os pés na areia, Morgana também. E os pés se encontravam sem serem vistos, protegidos por grossa camada de fina areia. Os olhares se cruzam. Os pés se tocam namorando escondidos na areia da praia. A hora era de lançar azeite sobre as feridas. E cada um deles tinha a sua. Robert temia que algum assunto por ele levantado, pudesse trazer à tona sua história ou a história de vida dela. E assim, consentiu que seus olhos se encontrassem com uma revoada de nuvens azuladas que viajavam. E sem perceber, deixou escapar a voz contemplativa de sua alma: “A tarde que finda no azul-avermelhado é uma benção que chega e jamais outra igual será vista...”
—Fazendo poesia para nuvens roxeadas?
— Não. Estou pensando por que estão assim apressadas.
—Ora! É porque o sol vai se por daqui a pouco.
Riram.
“A tarde que finda é uma benção que chega e jamais outra igual se repetirá”. Repetiu ele mentalmente. De fato. O sol pendia envolto por um manto de nuvens multicoloridas dando sinal que a noite que se avizinha conspirava em favor dos amantes.
— Está na hora de voltarmos — disse Morgana.
— Sim, vamos! Podemos nos ver amanhã?
— Hoje Gilson conseguiu uma mesa, amanhã não sei.
Ela falava do irmão de Gabriela que estivera mais cedo na palhoça e guardara a vaga até elas chegarem. Robert respirou aliviado. Foi Gilson Chagas primo da Morga que estivera na barraca de palha.No dia seguinte, ele, Robert chegou antes das nove e acomodou-se à sombra do quiosque que dava para o mar. Morgana não tardou e teve vontade de enfiar os pés na areia. Esconder o pezinho quente e delicado para ser encontrado pelo dele. Sentiu-se uma tola: “Isso é criancice...”
— Lembras de Nilmário, disse finalmente ela.
— Sim!
— Pois é. Estava no avião que caiu na Costa do Senegal.
Lembranças do tempo de colégio repovoavam a mente de Robert. Já naquele tempo, Morgana revelava que em crescida seria uma das mais belas criações da mão divina. Isto posto, se fosse descoberta agora, pelos caçadores de talento, alcançaria um cachê mil vezes maior do que seu salário como funcionária da Prefeitura de São Luís.
O sol de ontem brilhava hoje em seus olhos verde-alaranjados. Robert viu o beijo ingênuo que Morgana dera no rosto de Nilmário, quando o menino fez o gol decisivo do campeonato Marista. Quantos anos depois e ela continuava jovem e linda. Tudo estava bem distribuído. Ele teria a paciência que fosse necessária e a coragem que precisasse para conquistar Morgana. Não era sonho. Era a Morga o sonho capaz de apagar todos os pesadelos de outrora. Não queria pensar no casamento desfeito, nem na saudade do pai que mal conhecera. A vida lhe dera um poema de sete faces. Não só a ele, mas também a muitas pessoas que por sorte ou azar, morrem sem ler a primeira face. A primeira face que Robert leu foi o rosto da mãe desfigurado pelo câncer, depois a face do pai que não estava no álbum de família. Eram tantas faces: rostos de luz e de sombras, faces brancas, pretas, amarelas e até um anjo azul soprando cinzas sobre suas lembranças: o Marista, a Quinta da Boa Vista e a menina linda que Morgana sempre foi. O vento brincava nos cabelos cacheados dela. E Robert não via o mar. Via Morgana muitas vezes desviar os olhos que se cruzavam com os dele. Ele fazia o mesmo e depois se arrependia. Fugir do olho no olho, da verdade que se abre na janela de um olhar? Tudo que queria dizer não ficou dito, e não diria, a menos que Morgana decifrasse a linguagem das estrelas.
O coração ainda pensava em Talita que, pouco lhe telefonava. Como estaria a maninha? Robert não podia tocar neste assunto com Morgana. Ela quis saber da mãe de Robert, e quando lhe disse que morrera há dois anos, ficou besta. “Dona Sophia?!... Conhecia-a muito de nome.” Mas o momento não cabia lágrimas. O filho de D. Sophia acompanhou de perto o sofrimento da mãe que contraíra um câncer de ordem emocional, depois de aderir ao Plano de Demissão Voluntária oferecido pela empresa em que trabalhava. Robert insistiu muito para a mãe não aderir ao PDV, mas dona Sophia!...Dona Sophia quando tomava uma decisão, não voltava atrás!
O celular repica insistente... A demora de Morgana para abrir a bolsa e aceitar a ligação deixou Robert ansioso. Ela percebeu e sentiu a preocupação dele com a voz masculina do outro lado. Desligou e chamou Gabriela. Atento, Robert apanhou uma minúscula abelha-preta que zunia mexendo as patinhas e sacudindo as asas, entre um e outro morrico da meia-taça de Morgana. “Cuidado, não se mexa!” E deixou a ponta dos dedos tocarem suave e delicadamente nos seios dela. Tanto alarido e suspense por causa de uma inofensiva abelha sem ferrão?
— Morgana!
— Robert!...
Abraçaram-se cordialmente e o beijo que se dão os cavalheiros e as damas saiu fora do prumo e escorregou no canto da boca. Robert ficou envergonhado. Não fizera de propósito. Morgana ficou sem graça.
— Posso sentar?
—Sim, sim, respondeu ela.
—Há quanto tempo não nos vemos!
— Pois é, quanto tempo...
—Vens sempre aqui — perguntou meio sem jeito.
— Raramente venho aqui. Falta-me companhia.
—Agora não te faltará mais, se aceitares a minha.
—Ora, como não? Deixe-me te apresentar minha prima.
Saía do mar para a ducha uma morena que a um sinal de Morgana, aproximou-se da mesa, uma mesinha de praia com quatro cadeiras. Robert imaginou-se intruso. “São quatro cadeiras, portanto quatro pessoas. Sem contar com ele, faltavam duas. Provavelmente um rapaz que deve ser o namorado da Morga e o outro, o namorado da prima”.
— Robert esta é Gabriela, Gabriela, este é Robert...
O resto era sol e mar. Praia, areia na pele, pele na areia, pés na areia, areia entre os dedos... Ele enfiava os pés na areia, Morgana também. E os pés se encontravam sem serem vistos, protegidos por grossa camada de fina areia. Os olhares se cruzam. Os pés se tocam namorando escondidos na areia da praia. A hora era de lançar azeite sobre as feridas. E cada um deles tinha a sua. Robert temia que algum assunto por ele levantado, pudesse trazer à tona sua história ou a história de vida dela. E assim, consentiu que seus olhos se encontrassem com uma revoada de nuvens azuladas que viajavam. E sem perceber, deixou escapar a voz contemplativa de sua alma: “A tarde que finda no azul-avermelhado é uma benção que chega e jamais outra igual será vista...”
—Fazendo poesia para nuvens roxeadas?
— Não. Estou pensando por que estão assim apressadas.
—Ora! É porque o sol vai se por daqui a pouco.
Riram.
“A tarde que finda é uma benção que chega e jamais outra igual se repetirá”. Repetiu ele mentalmente. De fato. O sol pendia envolto por um manto de nuvens multicoloridas dando sinal que a noite que se avizinha conspirava em favor dos amantes.
— Está na hora de voltarmos — disse Morgana.
— Sim, vamos! Podemos nos ver amanhã?
— Hoje Gilson conseguiu uma mesa, amanhã não sei.
Ela falava do irmão de Gabriela que estivera mais cedo na palhoça e guardara a vaga até elas chegarem. Robert respirou aliviado. Foi Gilson Chagas primo da Morga que estivera na barraca de palha.No dia seguinte, ele, Robert chegou antes das nove e acomodou-se à sombra do quiosque que dava para o mar. Morgana não tardou e teve vontade de enfiar os pés na areia. Esconder o pezinho quente e delicado para ser encontrado pelo dele. Sentiu-se uma tola: “Isso é criancice...”
— Lembras de Nilmário, disse finalmente ela.
— Sim!
— Pois é. Estava no avião que caiu na Costa do Senegal.
Lembranças do tempo de colégio repovoavam a mente de Robert. Já naquele tempo, Morgana revelava que em crescida seria uma das mais belas criações da mão divina. Isto posto, se fosse descoberta agora, pelos caçadores de talento, alcançaria um cachê mil vezes maior do que seu salário como funcionária da Prefeitura de São Luís.
O sol de ontem brilhava hoje em seus olhos verde-alaranjados. Robert viu o beijo ingênuo que Morgana dera no rosto de Nilmário, quando o menino fez o gol decisivo do campeonato Marista. Quantos anos depois e ela continuava jovem e linda. Tudo estava bem distribuído. Ele teria a paciência que fosse necessária e a coragem que precisasse para conquistar Morgana. Não era sonho. Era a Morga o sonho capaz de apagar todos os pesadelos de outrora. Não queria pensar no casamento desfeito, nem na saudade do pai que mal conhecera. A vida lhe dera um poema de sete faces. Não só a ele, mas também a muitas pessoas que por sorte ou azar, morrem sem ler a primeira face. A primeira face que Robert leu foi o rosto da mãe desfigurado pelo câncer, depois a face do pai que não estava no álbum de família. Eram tantas faces: rostos de luz e de sombras, faces brancas, pretas, amarelas e até um anjo azul soprando cinzas sobre suas lembranças: o Marista, a Quinta da Boa Vista e a menina linda que Morgana sempre foi. O vento brincava nos cabelos cacheados dela. E Robert não via o mar. Via Morgana muitas vezes desviar os olhos que se cruzavam com os dele. Ele fazia o mesmo e depois se arrependia. Fugir do olho no olho, da verdade que se abre na janela de um olhar? Tudo que queria dizer não ficou dito, e não diria, a menos que Morgana decifrasse a linguagem das estrelas.
O coração ainda pensava em Talita que, pouco lhe telefonava. Como estaria a maninha? Robert não podia tocar neste assunto com Morgana. Ela quis saber da mãe de Robert, e quando lhe disse que morrera há dois anos, ficou besta. “Dona Sophia?!... Conhecia-a muito de nome.” Mas o momento não cabia lágrimas. O filho de D. Sophia acompanhou de perto o sofrimento da mãe que contraíra um câncer de ordem emocional, depois de aderir ao Plano de Demissão Voluntária oferecido pela empresa em que trabalhava. Robert insistiu muito para a mãe não aderir ao PDV, mas dona Sophia!...Dona Sophia quando tomava uma decisão, não voltava atrás!
O celular repica insistente... A demora de Morgana para abrir a bolsa e aceitar a ligação deixou Robert ansioso. Ela percebeu e sentiu a preocupação dele com a voz masculina do outro lado. Desligou e chamou Gabriela. Atento, Robert apanhou uma minúscula abelha-preta que zunia mexendo as patinhas e sacudindo as asas, entre um e outro morrico da meia-taça de Morgana. “Cuidado, não se mexa!” E deixou a ponta dos dedos tocarem suave e delicadamente nos seios dela. Tanto alarido e suspense por causa de uma inofensiva abelha sem ferrão?