ESPAROLADA NO CELULAR

ESPAROLADA NO CELULAR

Seis para sete da manhã. Ônibus coletivo superlotado. Linha 313 – Terminal Praça da Bíblia / Aldeia do Vale. Saímos do terminal de baldeação. Estou de pé, apoiado num pé só porque não tem onde e nem como colocar o outro. Do meu lado esquerdo, com o cotovelo prensando minhas costelas está uma jovem, para o padrão dos meus olhos, na minha idade, bonita; para os jovens da idade dela não. Ela está falando no celular e ao mesmo tempo com outros passageiros.

Tudo faz crer que ela nunca usou esta linha de ônibus coletivo. Seu destino, pelas perguntas pertinentes, deu para perceber que era o Laboratório HalexIstar, empresa conceituada nacionalmente, no ramo da fabricação de remédios e assemelhados.

No celular, bem baixinho, mas audível a mim, uma vez que sua boca estava tão próxima da minha orelha que assoprava as palavras diretamente nos meus tímpanos:

- “Você já acordou”? (alguém do outro lado da linha anuiu).

Como se as pessoas falassem dormindo.

Mesmo com o celular no ouvido, ela perguntou aleatoriamente, para ninguém em particular:

- Este ônibus passa perto do Laboratório?

Parece que o nome do Laboratório não tinha importância. Como os usuários daquele itinerário conhecem tudo dos dois lados, um senhor á sua esquerda responde perguntando:

- HalexIstar?

A esparolada, sempre com o aparelho celular no ouvido e continuando aquele papo de abobrinhas com seu amor; e eu ouvindo tudo; confirma:

- Sim. Passa perto deste Laboratório?

Para se ver livre daquele diálogo idiota, entre a “matraca”, o “outro" e nós usuários comuns e silenciosos, uma senhora mais à frente no corredor do ônibus confirmou:

- Este ônibus trafega pela BR, mas passa perto do HalexIstar, tanto que vou descer no ponto enfrente. Não se preocupe, desceremos juntas.

Ainda não satisfeita, mas dando maior atenção à pessoa do outro lado da linha telefônica, a faladeira continua:

- “Você esteve maravilhoso ontem”.

Como se fosse um interlocutor só, ela apenas aumentou a altura da voz e emendou:

- É porque me disseram que o único ônibus que passa e para na porta do Laboratório é o da linha 254 - Caiçara / Praça da Bíblia.

Agora fui eu que meti minha colher de pau na conversa para encerrar aquele chove-não-molha:

- Como a senhora ali disse, este ônibus passa perto e para perto. Não tem por que se preocupar.

A dita cuja realmente gostava de falar.

Continuando seu interlúdio amoroso com o cara lá do outro lado, explicou-me:

- Hoje é meu primeiro dia de trabalho e estou atrasada. Será se em seis minutos este ônibus chega lá? Tenho que bater ponto ás 7:00 h; fui avisada de que são no máximo cinco minutos de tolerância.

Em tom de voz mais baixo (no celular):

- Hoje á noite quero mais! Deixei ovos de codorna cozidos na geladeira e amendoim torrado no pote de margarina, sobre a mesa. Se alimente bem porque à noite a luta vai ser violenta.

E dá um sorriso debochado, para nós sua plateia.

Ufa! O ônibus chegou no meu ponto. Desci e aqui estou escrevendo palavra por palavra, de mais esta fábula cotidiana, estupidamente verdadeira.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 03/12/2012
Código do texto: T4017339
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