VIAGEM PROGRAMADA
O barulho ensurdecedor dos trovões foi mais que suficiente para abafar o estrondo provocado pela detonação do explosivo plástico, cuidadosamente depositado nos três caixas eletrônicos, instalados na porta principal do Supermercado Central.
Na rápida ação, o vigilante foi surpreendido pela manobra de um dos assaltantes que, fazendo-se de embriagado, tentava abrir o portão.
- Hei! Rapaz, que é que você está fazendo ai?
- Vou entrar para passar a chuva... (respondeu o assaltante com a voz pastosa dos embriagados).
- Não senhor. Pode seguir adiante. Vá procurar outro lugar para passar a chuva porque aqui, ninguém pode entrar.
- Eu vou entrar é agora. (Disse o assaltante Coreia, abrindo o ferrolho que estava sem o cadeado).
Nesse instante os outros dois assaltantes saíram de trás das árvores do outro lado da rua e, antes que o vigilante pudesse esboçar qualquer reação, foi dominado.
- Fique bem quietinho se não quiser levar bala, seu cabra.
- Coreia, bota a mordaça nele.
- Cadê a fita?
- Taquí!
- Se vira, boy!
Sem condições de reagir, o vigilante virou-se de costas para o assaltante chamado Coreia.
- Bota as mão pá trás, rapá!
Várias voltas da fita adesiva foram passadas nos pulsos e outros pedaços grandes, taparam a boca, de orelha a orelha.
O vigilante foi levado para trás das caçambas de lixo e teve os pés também amarrados com a fita, na altura dos tornozelos, depois que foram tirados os sapatos e as meias.
Enquanto Coreia tratava de imobilizar o vigilante, os outros dois colocaram o explosivo nos caixas que, depois da explosão, liberaram as gavetas repletas de notas novinhas para serem colhidas, com a mesma facilidade com que se colhem morangos maduros e, rapidamente, foram colocadas em sacos plásticos.
Coreia pegou tantas notas quantas pode colocar na sua sacola de plástico preto e os três saíram corendo, cada um para um lado, conforme o combinado.
Na próxima esquina, Coreia entrou no cemitério municipal. Escondeu a sua sacola no túmulo do pai.
Ninguém, em sã consciência, iria procurar dinheiro dentro de um jazigo pobre.
Sem esforço, deslocou a lápide e disse:
- Segura isso aí pai. Depois eu volto para pegar.
Esgueirando-se pela fresta do muro, voltou para a rua, misturando-se aos curiosos atraídos pela movimentação e pelo som das sirenes das viaturas da polícia.
Ele e os colegas somente se encontrariam na manhã do outro dia, para contar e dividir o dinheiro em partes iguais.
Do outro lado da rua uma pessoa correu por trás das árvores.
A polícia atirou.
O bandido revidou, a bala perdida encontrou-se com Coreia atingindo-o na cabeça.
Esvaindo-se em sangue foi levado para o hospital, mas já chegou morto.
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Depois da festa de trinta anos de casados, João e Maria pretendiam fazer a viagem tão sonhada, à Europa.
Desde sempre constava na programação anual do casal, uma viagem por menor que fosse, para qualquer lugar, onde os dois renovavam as promessas de viverem juntos, se amando eternamente.
Antes de deitarem naquela noite, conversaram sobre os filhos, sobre os netos gêmeos e sobre Cornélio, o filho caçula, ainda solteiro, que morava com eles, mas que ultimamente dera para se acompanhar de gente que não era bem vista e que tinham colocado o péssimo apelido de Coreia, em substituição ao nome Cornélio, que eles haviam escolhido para o filho, inspirados no semideus grego, responsável pela fartura e que ostenta uma cornucópia cheia de bens agrícolas para o deleite dos seres humanos.
Cansados e felizes foram dormir abraçados, mas João não mais acordou.
Maria, muito triste, usou o dinheiro da viagem à Europa para fazer um jazigo forrado de mármore, aonde algum dia, ela iria se juntar a João.
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Luto na família.
Maria depois do sepultamento do filho passou mais de mês sem por os pés fora de casa.
Por várias noites sonhou com João dizendo.
- Eu arranjei o dinheiro para a sua viagem. Quando estiver preparada para ir, é só vir buscar o dinheiro comigo.
Maria ao despertar pensava que isso era uma grande besteira:
- Onde é que João, morto e sepultado, vai arrumar dinheiro para eu viajar para a Europa?
Mas num dia em que ela foi visitar o jazigo, notou a lápide fora do lugar.
Para poder recolocar no encaixe, retirou a pedra e viu a sacola preta recheada de dinheiro.
Sem dizer nada a ninguém, comprou o pacote de viagem e foi num navio ultramoderno, conhecer Londres, Lisboa, Madri, Paris, Moscou, Cairo, Pequim, Tóquio...