Sem olhar para trás

Olho pela janela do meu quarto, pelo menos tem uma bela vista! Quanto tempo já se passou? Será que foi um sonho? Será que fui eu mesma que vivi tudo isso?

Por um momento tudo parece um sonho mas é realidade, estou com noventa e três anos de idade, internada numa dessas clínicas para idosos, não consigo fazer praticamente nada sozinha, tomo milhares de remédios, não tenho parentes, e os amigos são esses idosos que estão na mesma situação que eu, só me resta esperar por "ela", a morte, mas ela está demorando. Uma coisa eu não posso negar, eu vivi grandes emoções! Alguém pode me julgar pelas escolhas que fiz, mas tudo tem um preço, e eu já paguei todo o preço, ainda estou pagando.

Deixa ver se eu me lembro. Eu tinha trinta e cinco anos, tinha um casal de filhos, lindos, mas que brigavam o tempo todo, um emprego que detestava, e o casamento não ia nada bem. A maioria das mulheres dá conta muito bem de tudo isso, mas eu não consegui, podem me chamar de covarde, mas eu sumi. Simplesmente comprei uma passagem de avião, peguei umas economias e abandonei tudo, sem olhar para trás, para o que eles significavam para mim.

Chorei por muitas noites com saudades dos meus filhos, imaginando como eles estavam, sabia que estavam sofrendo, e que o que tinha feito tinha afetado a vida deles, mas sabia que não tinha volta. Só liguei uma vez para dizer que estava tudo bem comigo, nunca mais falei com eles.

Sofri muito, mas me levantei, a escolha tinha sido minha, trabalhei como ambulante, lá conversando com os turistas, conheci o Thomas, um gringo que estava no Brasil, ele era separado também, ele percebeu que eu não era só uma ambulante, mas sabia inglês, tinha uma boa conversa. Foi algo igual a paixão de adolescente, eu já estava na chuva, então me molhei. Fui com ele para os Estados Unidos, e fiquei por lá longos anos.

Fui feliz ao lado dele, ele já tinha filhos então não queria mais, como eu já tinha tido experiência de ter sido mãe e não ter dado conta, éramos só nós, até que um câncer o atingiu.

Mas ele me deixou bem confortável financeiramente, deixou um testamento. Então eu voltei para o Brasil, vivi mais alguns anos muito bem, mas sempre com o vazio no meu coração da minha família.

Quando a velhice chegou eu mesma me internei nessa clínica, agora só estou esperando por "ela". Puxa, essa história toda me deixou cansada. Com certeza não sou mais aquela moça que fez tudo isso. Vou me deitar.

Luciana Pupo
Enviado por Luciana Pupo em 26/11/2012
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