Paixão de um Samba a Dois

Tinha se apaixonado: essa era a palavra exata. Não que fosse algo evidente, nem imediato, mas estava ali. Não era morno, nem frio. Paixão que se faz na afinidade, no sorriso, na sensação do momento e, principalmente, no olhar. Enfim, até a deslumbrante fisgada.

Passou toda a noite conversando em turma,se embasbacou em Carolina. Entre amigos e discussões intermináveis a respeito de Tarantino, Woody Allen, além de músicas e mais músicas. Era a primeira vez que a via e a única sensação era de alegria por conhecer alguém como ela. Durante todo o momento a afinidade conquistava. Tanto se embaraçou que só olhava para Carolina. Era pequena, dócil e tinha um olhar profundo e levemente escondido pelas largas armações dos óculos. Ele reparava o movimento do cabelo liso preto, o verde dos olhos, a gesticulação durante as impressões dos filmes, a forma como mexia no cabelo, a leveza com que bebia e se movimentava até encontrar uma posição aconchegante na cadeira.

Assim permaneceu a noite. Era agradável. Um pouco mais, após, era alcoólico. Não muito, mas feliz e a ponto dele criar coragem pra falar qualquer coisa a mais. Começou a conversar apenas com Carolina, as ideias se correspondiam. Não foi tarefa difícil. Conversa correspondida e com sensível atração mútua. Ele não percebia pela parte dela, estava preocupado, inquieto. Mal sabia ele que ela já adorava sua barba. Mas até o momento não havia paixão. Até o momento.

Eis que de repente, num súbito de coragem e timidez disse:

- Que bom falar com você! Alguém tão parecida comigo. Hoje em dia achei que não houvesse mais como nós. Meio estranhos, meio rabugentos. - Terminou sorrindo.

- Pode apostar. Existimos! Fico muito feliz de saber disso também. - Disse Carolina.

Ele ficava mais feliz e mais confiante, mas não conseguia esconder de ninguém que não parava de a olhar. Mas é sempre bom complementar: não era paixão naquele momento!

Recebeu uma cutucada do amigo ao lado que disse:

- Disfarça pra conversar, caralho! Desvia um pouco os olhos! - Falou em tom de brincadeira, percebendo o amigo.

Notou realmente que o amigo estava certo e que ele não conseguia esconder a admiração e desejo por Carolina. Desejo sutil, de flerte e romance. Mas não era paixão ainda! Pensou que talvez ela tivesse percebido também. O que o deixou mais intrigado. Não a toa o rapaz era sem jeito de tudo.

Continuaram conversando naquele momento, agora sobre música. Samba de raiz. Um velho gosto em comum. Assim foi quase sem parar. Ele agora estava ainda mais preocupado e tentava segurar os olhares para evitar que ela percebesse - se é que já não era tarde demais. Mas procurava, ao mesmo tempo, não se importar, se desligar disso e continuar a conversa. De qualquer forma não era paixão naquele momento! Paixão causa ligeira vergonha e ele procurava não se sentir assim. Prosseguiram por um bom tempo conversando sobre o samba e relembrado maravilhosas canções até que, enfim, ele interrompe a conversa e sem pensar diz de uma só vez:

- Carol, não me leve a mal, sendo sincero: já me disseram que não paro de te olhar, que não disfarço meus olhos. E é verdade. Realmente não consigo parar de olhar pra você - Confessou meio sem graça e complementou - Poxa, dei muito na cara?

Carolina pensou por um segundo, olhou nos olhos dele, se aproximou do ouvido e, com uma voz doce quase que de Elis, disse cantarolando:

- "De tanto levar 'frechada' do teu olhar

Meu peito até parece sabe o quê?

'Táubua de tiro ao Álvaro

Não tem mais onde fura.

(...)

Sim, agora era paixão! Estava apaixonado: esse era o ponto.

L Figueiredo
Enviado por L Figueiredo em 23/11/2012
Reeditado em 07/03/2013
Código do texto: T4001434
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