DA SAGA HUMANA DE TODOS NÓS
Alguns contos reais nós podemos contá-los na qualidade de fidedignos espectadores e contadores das histórias da vida.
O tal fato de se ter a chance de observar andamentos de algumas histórias desde seu início até, ao menos, aos seus epílogos, decerto que se nos torna algo que muito acrescenta ao aprendizado da dinâmica das nossas próprias vidas, que lá bem no final, é algo mais ou menos parecido para qualquer um de nós que avançamos pelo tempo, independentemente de qualquer variável social ou financeira dos seus personagens.
Quando eu as conheci, às três irmãs, elas já iam bem para lá do que chamam de " meia idade", isso há mais ou menos vinte anos atrás.
Acho estranho este termo "meia idade" porque em números absolutos a cronologia da tal "meia" idade é muito relativa.
Para quem morreu aos trinta a meia idade foi de apenas quinze anos, já a meia idade de quem chega a um século de vida muitas vezes não perfaz a vida inteira de muitos que falecem precocemente.
Todavia elas avançavam acima dos cinquenta anos quando estavam a todo vapor para o trabalho e eu era sua perplexa testemunha viva do extremo labor que não parava nunca: não pensavam em mais nada a não ser trabalhar muito, dia e noite noite dia, para ganhar e juntar dinheiro para o futuro bem lá longe.
"Temos que garantir a vida"-diziam-me elas.
Descendentes de europeus, solteiras e inteligentes para o presente do seu tempo, e mesmo sem suficiente escolaridade, viviam da sua arte artesanal maravilhosa com a qual confeccionavam inúmeros ítens, acessórios de última moda, para a fina elite da sua época -era o que sempre me contavam.
Também agenciavam e organizavam festas por toda a parte da cidade e do país.
Viviam juntas trabalhando no mesmo ofício e apenas a pequena diferença de um ano de vida as separava na escala cronológica do seu nascimento.
Não tinham vida social alguma , economizavam cada tostão desde os antigos "réis" e acreditavam que dinheiro tinha que ser ganho apenas para garantir o futuro da vida, portanto, não eram dadas às gastanças perdulárias em época alguma do seu melhor tempo , muito menos nestas datas festivas inventadas pelo comércio para "apenas surrupiar o dinheiro suado dos outros", era o que me explicavam convictas em todas as datas comemorativas.
Acreditavam fielmente que o futuro era um tempo absolutamente programável e alcançado milimetricamente com as mãos, por ora ali trancado numa numa caixa que guardavam a sete chaves , a qual poderiam abrí-la lá na frente com o toque da sua vontade prontamente temporal.
Sequer por um momento imaginaram que o tempo, sem exceção, é como uma caixa de Pandora.
Fato é que ele, o mesmo tempo de sempre, lhes passava sem que sequer percebessem que suas forças orgânicas minavam sorrateiramente...aos poucos, sem todavia as fazer parar para racionalizar que precisavam viver melhor. Um check-up da saúde, ao menos.
Fizeram fortuna, é verdade, mas muito aquém do tempo de perceberem que precisariam de olhos astutos a tempo de colocá-la a seu favor e desfrutá-la com alguma dignidade neste mundo tão mundanamente temporal.
A doença "tempo' um dia enfim lhes chegou, porque fato é que o tal tempo não espera ninguém e talvez a grande inteligência humana da vida ainda seja a de tentar driblá-lo a tempo de só momentaneamente ele se esquecer um tempo de nós.
Viver bem é uma mera questão logística da inteligência...isso quando tudo dá certo ao se driblar as fatalidades do tempo.
Dia desses, por um momento, elas me trouxeram o epílogo deste seu conto de vida aqui recontado por mim, apenas através dos poucos flashes das entrelinhas dos contatos que tivemos pela vida.
Agora elas se resumem a apenas duas.
A do meio já se foi há dois anos, aos oitenta e dois, vítima do cigarro que nunca apagou. Viveu apenas o tempo, não a qualidade da vida.
A mais velha delas, já com neurônios irremediavelmente claudicantes, é a única cuidadora de si mesma...e da irmã mais nova que agoniza frente a uma doença terminal.
"Ninguém quer cuidar de nós... por dinheiro algum..." foi o que consegui entender do que ela tentava me dizer da sua tão difícil vida atual.
Quando as vi confesso que senti uma estranha sensação de vácuo, como se o tempo tivesse passado por tudo e por todos dessa e de tantas outras histórias, sem registrar história alguma, a despeito de tanta preocupação com o futuro que já chegou a ultrapassar todo o tempo previamente preparado, tempo a sempre sadicamente nos deixar o tudo para trás...
Em pensamento apenas as agradeci por tanto ensinamento que me proporcionaram.
Afinal, não é todo dia que temos o privilégio de aprender " ao vivo e em desbotadas cores " algo tão valioso como o encenado no conto que narrei, quem sabe a meu próprio tempo de reverter o entendimento do quanto a vida é efêmera demais para esperarmos pelo futuro programado, embora já reconheça que muito pouco está ao alcance do poder das nossas mãos, muito menos à resolução do dinheiro provisionado pelo árduo e digno trabalho delas...frente ao impiedoso poder do tempo.
Vida de verdade mesmo deve ser uma eterna jornada atemporal.