A busca pela alma gêmea
Todos os sábados era a mesma coisa. André levava o neto para brincar na Praça da República, em Belém do Pará. Acompanhavam-lhes os brinquedos que o neto cuidava com muito carinho. Mesmo com pouca idade, a criança tinha senso da responsabilidade e da preservação, nunca desmontava, isto é, destruía seus brinquedos. Depois da brincadeira, eles eram guardados carinhosamente em seu guarda-roupa, um compartimento só para isso.
Naquele sábado o passeio à praça seria diferente, Fellype ganhara da avó um brinquedo importado, trazido dos Estados Unidos, um transformers, o starscream, habilidoso em transformação. O menino segurava seu novo brinquedo com bastante cuidado, seu olhar de admiração era fascinante. Ele não se cabia de contente, principalmente porque poderia mostrar para as outras crianças o seu mais novo e fantástico brinquedo, muitas delas estariam lá na praça.
Não deu outra, o neto de André andava pela praça deixando à mostra o strarscream, boneco colorido que se transformava em carro e se trasnvestia com diferentes armaduras. As crianças mais corajosas se aproximavam dele a fazer perguntas: onde ele comprou? Quanto custou? Qual o nome dele etc.? As respostas eram dadas com orgulho e calmamente. Os satisfeitos corriam para as suas mães informando que queriam um brinquedo igual ao daquele menino, e apontavam para o garoto em companhia do avô.
O tempo passou e algumas crianças foram embora. Um deles continuou próximo de Fellype, procurando saber mais sobre o intrigante boneco. Sua mãe, que estava bem próxima, se chegou mais ainda e começou a fazer perguntas ao André. Ficaram conversando sobre o assunto por mais alguns minutos. Os dois garotos se afastaram e foram brincar em um banco da praça próximo. André e Gisele, a mãe do menino, passaram a andar pela praça, descontraidamente. Ela falando sobre sua vida e ele só ouvindo, pois ficara surpreso pela espontaneidade dela. Casada com um italiano muito mais velho que ela, tinha um filho só, o Luigi, que brincava com Fellype. Moravam em frente da praça. Que todos os sábados ela descia para que Luigi brincasse com outras crianças, ela aproveitava para espairecer um pouco, já que o marido era contra suas saídas sem ele.
André, sempre calado, ouvia atentamente sua companheira de passeio. Moça bonita, elegante e jovem. Ficaram mais algumas horas conversando, até ambos perceberem que estava na hora do almoço das crianças. Houve a despedida e a promessa de se encontrarem no próximo sábado, para continuarem aquela conversa tão agradável. No sábado seguinte outro encontro. Da parte de André foi uma semana de expectativa e indagações. Por que aquele encontro? Por que o comprometimento com novo encontro, já que a ida de ambos à praça aos sábados era uma certeza? Será que ela, André já esquecera o nome, estava com a mesma expectativa? Com as mesmas indagações? Mistério!
Quando ambos se viram, os sorrisos se abriram, as duas crianças se juntaram e foram brincar no mesmo banco do sábado anterior. Ela estava linda e mais elegante, óculos escuros, algumas joias, que lhe caíam muito bem, sapatos medianamente altos, vestido azul, cor que deixa as mulheres descontraídas e calmas. Dizem que o azul ajuda a controlar a mente, a ter clareza de ideias e a ser criativa.
A conversa começou com ela indagando sobre quantas pessoas já haviam feito o que eles estavam fazendo ali, a passear pela praça, local de encontros e desencontros, no passado distante e no presente. Era difícil quantificar, eles nem mesmo sabiam a data de construção da praça, mas ficaram impressionados com a questão. Outras perguntas surgiram: será que ambos, em outros momentos de suas vidas passadas, já haviam se encontrado naquele ambiente? Eles conversavam como já se conhecessem há muito tempo, algo dizia que aquele encontro não era o primeiro, só não sabiam explicar como e quando isso aconteceu. Eles estavam ficando mais íntimos, mais próximos, só não se tocavam. Trocavam olhares, sorriam de qualquer coisa, até esqueceram as crianças que levaram para aquele local. Gisele olhou para o relógio e se espantou. Já passava das duas horas, não viram as horas. Fellype veio correndo em direção do avô e falou que estava com fome. Eles se despediram, não sem antes Gisele pedir para André ler Brida, de Paulo Coelho. André respondeu que não gostava de Paulo Coelho, não gostava de livro de autoajuda. Ela respondeu que em Brida ele encontraria as explicações para o que estava acontecendo entre eles.
Na segunda-feira, André comprou o livro indicado por Gisele e, avidamente, o devorou. Não encontrou nada que o tirasse daquela obsessão de encontrar as explicações aludidas pela mulher misteriosa – ele passou a classificá-la assim. Leu o livro por três vezes e a cada leitura ficava mais confuso. Ele já era um cinquentão e Gisele devia ter, no máximo, vinte e oito anos. Ela não iria querer nada com ele, pensava André. Mesmo assim, ele esperava ansioso pelo sábado, tinha muitas perguntas a fazer. Iria tirar as dúvidas que pairavam sobre sua cabeça. Principalmente, sobre a tradição da lua em despertar dons que cada ser humano carrega dentro da alma, desde que nasce.
No sábado seguinte, logo cedo, André tomou banho, perfumou-se com uma colônia suave, vestiu uma bermuda, colocou camisa nova, moderna, calçou sapatos sem meia, chamou o neto e os dois rumaram para a praça. Demorou pouco para Gisele e filho aparecerem. Ela está deslumbrante, pensou André. Ele não se preocupou em gravar como ela estava vestida. Só gravou a cor do vestido – verde - e do sapato – vermelho claro. Dava para perceber que em matéria de elegância ela caprichara. E que o marido ganhava bem, já que Gisele não trabalhava.
Sentaram-se, a princípio, no mesmo banco. Ela perguntou secamente: - leu Brida? A resposta foi afirmativa, mas acompanhada de pedido de explicações: - Não compreendi muita coisa que li. Para a minha evolução espiritual eu preciso encontrar minha outra metade, minha alma gêmea? Onde encontrá-la? Tenho que deixar minha família e ir à busca dessa desconhecida? – perguntava André, sem esperar resposta de Gisele. Parecia que ele não queria resposta nenhuma, com medo de que ela dissesse que ele deveria sair em busca de sua outra metade. Que ela não era essa pessoa.
Ela, acalmando André, falou-lhe o que estava escrito em Brida: - Não precisamos ter uma relação com essa pessoa, viver nem conviver com ela. Basta uma troca de olhares no meio da rua, ter a sensação de que já conhece aquela pessoa. A sua alma reconhece sua outra parte. Não é coisa de sexo, é o reconhecer da outra sua parte apenas pelo olhar. Em vidas passadas, na morte, suas partículas se espalharam e vão encontrar partículas de outras pessoas. Assim, você se dividiu e se incorporou a diferentes matérias. Talvez algumas delas estejam em mim. Ou algumas de mim estejam em você. Foi por isso que nos encontramos aqui. Elas não são deste tempo, nós sim. Temos outra vida, mas nos reconhecemos como almas gêmeas pelo encontro de nossos olhares, pelos sorrisos trocados, pelo mesmo modo de pensar a vida, pela igualdade como apreciamos as coisas, a natureza, o sabor dos alimentos, pela nossa procura de entender o mundo e a nós mesmos. Nós dois sabemos que a melhor maneira de mergulhar em Deus é pelo amor. Não paralisamos nossas ações pelas dúvidas que às vezes nos afligem. Tomamos sempre todas as decisões que precisam ser tomadas, mesmo tendo dúvida se elas são seguras ou se estamos decidindo corretamente. Quantas coisas se perdem por medo de perdê-las?
André, mais atordoado do que nunca, ficou completamente mudo. Ele sabia que todas aquelas palavras ele as lera em Brida, mas não havia compreendido seu significado. Parou um pouco, respirou profundamente e pensou - Agora as coisas estão ficando mais claras. Gisele, apesar de seu casamento sofrido, sabia onde estava pisando, nas suas saídas aos sábados ficava procurando sua alma gêmea, quando encontrava alguém disposto a ouvir suas queixas, suas ideias sobre a vida, sobre o universo, pensava ter encontrado sua outra parte. Mas ela sabia que se encontrava em outra época e o seu destino já estava traçado, viver com o italiano até quando um dos dois for levado a se despedir desta vida.
Ao compreender isso, e pelo adiantado da hora, André se despediu, chamou o neto, não havendo compromisso para outro encontro. Chegou a casa, aliviado, olhou para a esposa e percebeu que ela era realmente a sua outra metade. Sorriu e contou para ela aqueles estranhos encontros. Ambos riram, se deram as mãos e foram almoçar.
Pelas mãos do destino, André foi transferido para outra cidade e nunca mais ouviu falar de Gisele. Guarda apenas boa lembrança daqueles sábados e daquela mulher que lhe tirou o sono por algumas semanas. Hoje, um sessentão, ele ri de sua ingenuidade, ao pensar que poderia ter tido um caso com aquela mulher jovem e glamorosa.