Muladeiro (capítulo VIII)

____ Minduim, depois de tanto tempo longe da mãe e das nossas irmãs, tou com um aperto no peito! Será que tá tudo bem por lá? Bem que a gente podia dar um jeito de saber do paradeiro delas, né? – perguntava Israel, enquanto bebia uma dose de cachaça, no bar do Vicentão.

Todos os domingos, os dois passavam a tarde toda no bar do Vicentão, jogando conversa fora, escutando e contando causos. O dono do bar era um homem generoso, vendia fiado para a maioria da freguesia. Seu bar tinha um pouco de tudo, e quando faltava mercadoria, ia à cidade para comprá-la, contentando a clientela. Solteiro por opção, cuidava do bar cuja herança veio do pai.

____ Sei não, Israel. Tenho medo só de pensar numa coisa dessas. A mãe tava meio adoentada quando a gente saiu sem deixar recado, lembra? Ela dizia que sentia muita dor nas “cadeira”, e o pai dizia que era frescura dela. Ô raiva que eu tinha, quando ele falava daquele jeito, viu. Se via na cara dela, que a dor era forte, e não dava pra gente fazer nada, pra aliviar aquela disgramada dor. Tadinha da mãe.

Invadidos pelo saudosismo, Minduim e Israel cogitaram visitar a mãe e as irmãs, mas não sabiam como realizar a viagem. E se todos não estivessem mais no mesmo endereço? O óbito de um membro da família também poderia ser uma das notícias desagradáveis que encontrariam.

Decidiram escrever-lhes uma carta, pedindo notícias e dando as deles, na mesma proporção. O endereço da antiga casa era guardado, assim como todos os segredos de suas vidas, que, ninguém, jamais ousou saber. Arriscariam a sorte.

"A sua bênção mãe.

Depois de tantos anos a gente resolveu aparecer, mas não totalmente. Como a senhora tá? E as nossas irmãs?

Eu e o Israel tamos bem. Desde que chegamos na cidade, conseguimos uma casa, comida e trabalho. Nosso patrão é um homem bom e a patroa também. Ela é mulher bem educada, fala bonito, inteligente mas não é uma formosura na beleza. Eles têm um garoto, e o Israel é muito apegado ao menino. Trabalhamos muito, mas isso não põe medo na gente. Nossa folga é no domingo, e nesse dia o bar do Vicentão é a nossa alegria.

Mãe, desculpa pelo nosso sumiço sem deixar um bilhetinho pra senhora, pela falta de mandar dinheiro, por tudo de ruim que fizemos. Não tivemos escolha. A vida com o pai era um horror, a senhora bem sabe disso. Parecia até que o pai tinha raiva de mim e do meu irmão. Por que ele batia tanto na gente?

Nenhum de nós dois arranjamos rabo de saia. O que é que íamos oferecer pras mulher? Mas, a vida tá boa assim mesmo, e do jeito que a gente trabalha, nem tempo tem pra namorar. Eu até que gostei de uma moça daqui, mas ela não me quis. Foi ser freira, pra pagar promessa que a mãe dela fez, quando tava muito doente. Prometeu pra Nossa Senhora Auxiliadora que se sarasse, sua única filha ia ser freira.

Depois ela, nunca tive interesse por outra. O Israel é caladão e não me fala se sente vontade de ter mulher.Acho que deve ter, mas quase nunca falamos sobre isso.

Mãe, tamos com vontade de visitar a senhora e as irmãs. Será que podemos? Espero que a senhora responda.

Fica com Deus, mãe. Mande lembranças pras irmãs.

Seus filhos Israel e Minduim."

Silvana Goes
Enviado por Silvana Goes em 20/11/2012
Reeditado em 20/11/2012
Código do texto: T3996147
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