Decadência e Café Fresco
Estavam frente a frente, sentados, completamente imóveis. Era um daqueles momentos pós-felicidade, quando se esvai o riso e nada sobra. Só aquele resquício de indiferença que se dissipa no ar junto ao acolhedor aroma do café recém-preparado. Ambos olham para ao lado, não se suportam nesse instante. O homem tem traços fortes, o nariz adunco, parece cansado, traz algo distante e pesado no olhar. Olhos pisados pelo tempo e pela cólera. Mantém a xícara vazia no regaço, entrelaçando sua asa com os dedos. Envolve-a por inteiro com a mão direita procurando tomar-lhe o pouco do calor que restara impregnado na porcelana. Volta os olhos para ela. Olha-a. A ela que é jovem, que tem o olhar perdido, vidrado, e o mantém fixo no vazio da parede. Os cabelos ondulados caem em desalinho sobre o ombro, sobre uma parte do rosto. A xícara sobre a mesa, as mãos agarradas aos braços da poltrona de couro preto. O som distante do trânsito invade a sala e de repente, para ela, é como se nada os separassem daquela avenida eufórica da metrópole incansável, cimentada, fugaz. Ali, isolados naquele cômodo, suspensos e expostos, imersos naquela languidez de fim de tarde, na mais densa soberba. Inertes. O crepúsculo dá fim a seu espetáculo solitário, recolhe-se todo o tom rosado do céu, fecham-se as cortinas. A penumbra invade a sala como uma imposição divina, uma ordem dos céus. Ela sabe, sim, ele a tomaria nos braços, empurraria a mesa e a amaria ali mesmo, com tal intensidade, uma espécie de desespero, de se entregar inteiramente ao desejo do corpo que vinha à tona de uma só vez, como se o amor devesse ser feito enquanto ainda houvesse o mínimo de luz, antes do breu da noite. Isso no início, nos velhos tempos, e então, depois de feito, largariam o corpo do outro e voltaria cada qual para o seu. Deitados lado a lado, como mortos. Erguia-se um alto e sólido muro entre os corpos que, separados, mantinham sempre certa distância. De volta à sala, não há mais calor ali senão o do café. Ela afunda ainda mais o corpo magro na poltrona, já não há mais amor, talvez o tenham usado em excesso, só há aquela indiferença pairando sobre eles, os amantes frios, distantes. Desconhecidos. Esqueceram-se no passado.
Ele abre os olhos e olha-a outra vez, pergunta se está escuro. Talvez fosse melhor acender a lâmpada, ela diz que não, que está bom, que gosta assim. Ela esboça um sorriso que é como um facho de luz, uma chama oscilante exposta ao vento, e então, ele por sua vez a reconhece, a ela, o sorriso traz de volta um pouco daquilo que já havia se esvaído como água entre os dedos. Ele procura no olhar verde amarelado que ela ostenta. Nada lhe vem. Outra vez é evidente o silêncio que cresce ensurdecedor na sala, quase palpável.
O homem levanta e diz que chega, que não entende, diz o quanto aquela situação imposta por ela é insuportável para ele, que é melhor ela ir embora, que já é tarde. Expostos àquela rua, àquele caos, àquela indiferença. É quando ele ensaia um passo que ela, por impulso, desespero, ou até mesmo por algum motivo que ela mesma desconheça, atira-se aos pés do homem e agarra-se à suas pernas, àquele corpo que fora, é, e será por muito tempo seu objeto de amor. Envolve-o com os braços da mesma forma como ele apertava a xícara de porcelana na mão direita, roubando-lhe o calor. O homem sempre inerte, tomado por seu cansaço, não se surpreende. Acaricia-lhe a face com as costas da mão, ela fecha os olhos e pede, por favor, que o faça, para que de toda a história ela possa reter uma última memória, uma imagem para levar consigo. Ele pausa as carícias, desce a mão para o queixo e faz com que ela erga o rosto. Insípido, ele pede.
- Implore.