O candidato Nulho

O Nulho era assim, um cara meio sem jeito. Primeiro tentamos formar uma equipe para elegê-lo vereador, não deu certo. Nulho não tinha carisma, diziam alguns. Outros taxavam Nulho de bronco, grosseirão… e outras qualidades.

Apesar de tudo isso, estávamos em cada esquina, em cada sinal, no shopping, na favela. Espalhávamos os cartazes do Nulho por toda parte. A colagem dos cartazes era parte interessante da corrida eleitoral. Corrida literalmente, quando a polícia nos perseguia porque estávamos sujando a cidade. Alguns membros da nossa equipe estavam acima do peso, o que fazia com que tudo ficasse mais interessante. Acabavam sempre dormindo na delegacia e liberados no dia seguinte.

Nosso partido, o PUTZ!, foi autuado diversas vezes. Mas seguíamos firmes com o intuito de mudar a cultura política desse país. E foi exatamente ali, na sede do partido, que decidimos lançar o Nulho como candidato a prefeito. A votação foi unânime, três votos a favor do Nulho. Claro que nem todos compareceram a esta reunião, pois já havíamos mudado de sede uma centena de vezes por não pagarmos o aluguel. Coisa boba, dada a importância que o nosso partido tem no cenário nacional.

Entro em casa, após ter sido revistado pela polícia duas vezes na subida da comunidade. Reclamo. Nossa polícia não tem preparo, outro dia me levaram a pasta de dente. Hoje queriam que eu entregasse o autor do livro Confissões que encontraram na minha bolsa. Eu disse que Agostinho era um santo e que o livro fora escrito lá pelo século V. Não é fácil lidar todos os dias com essa gente ignorante. Me deito e fico imaginando qual é o próximo passo da campanha de Nulho. Amanhã teremos um encontro com o vice, Branco das Neves. Nosso vice tem uma plataforma excelente, escreveu todo seu planejamento num guardanapo de papel (frente e verso), durante a nossa cervejinha no Bar do Manquinho. Olho para os panfletos na escrivaninha, as bandeiras encostadas na cadeira. Durmo.

Nulho recebe um telefonema logo cedo. Reunião de emergência. Comparecemos ainda com cara de sono à nova sede do partido, debaixo de um viaduto. A julgar pelo número de participantes, as discussões serão acirradas. É bem verdade que os mendigos do local juntaram-se a nós. E parece que gostaram das nossas propostas. Valdemarzinho sobe no caixote e começa a falar sobre a nossa principal plataforma: a educação liberal nas escolas e universidades. De hoje em diante você vai ser doutor se quiser, se não quiser, pode ser porteiro! Os mendigos pularam de alegriam. Abraçaram-se. Valdemarzinho continuou: todas as individualidades serão respeitadas! – Descobrimos então que entre os mendigos haviam dois advogados e um engenheiro que queriam ser taxistas. Valdemarzinho foi aplaudido. Não houve discussão e sim uma festa. Infelizmente Nulho não pôde comparecer, seu fusca furou o pneu na Av. Brasil e foi rebocado por uma charrete. Mas a campanha continuou e, após uma distribuição de pirulitos, o PUTZ! era o partido predileto de cinco em cada dez crianças de 8 a 12 anos.

Foram dois meses andando pela cidade, conversando com os moradores, distribuindo material de campanha e convertendo os corações à causa do PUTZ! e de Nulho. Tentei por diversas vezes encontrar com nosso candidato, tirar uma foto com ele ou mesmo escutar apenas sua voz. Não consegui, tamanha a sua popularidade. Escrevi num papel o seu nome, dobrei e coloquei na carteira, para andar sempre com o meu candidato!

E chega finalmente o dia das eleições. Esse dia maravilhoso. A cidade está toda enfeitada, as pessoas sorridentes caminham para suas zonas eleitorais. Me vesti de Nulho e saí. Na esquina me encontrei com Robertinho do Beco, nosso secretário de finanças, ele havia bebido um pouco, pois estava jogado na calçada e todo urinado. Mesmo assim me reconheceu quando foi pegar a garrafa de Caninha da Roça. Quis levantar para me abraçar mas não conseguiu. Agradeci e perguntei “você não vai votar? E a Lei Seca?”, ele me disse “votar? Em quem?”, resolvi esclarecer, “Nulho! Você vai votar no Nulho”. Então me pediu para que o lavasse à sua zona eleitoral. Tentei mas fomos pegos pela polícia no quarteirão seguinte. Mas nem por isso desisti. Conversei com os policiais, falei do partido, as intenções de Nulho, e como a polícia ficaria melhor, os investimentos, a luta. Depois de me darem duas cacetadas na costela me liberaram. Infelizmente Robertinho não ia votar, pois já estava sendo encaminhado ao hospital em coma. Tomei um ônibus e, muito animado, voltei para minha zona eleitoral. No trajeto, subiu no ônibus Armandinho, o Perna Torta, nosso secretário de relações internacionais. “E ai Armandinho? Vai votar?”, me respondeu “Não posso, estou indo para um churrasco de família, já estou atrasado!”. “Mas e o Nulho? O Nulho está contando com a gente!”. Armandinho disfarçou e descendo no ponto seguinte me disse: “Não se preocupe, vai dar tudo certo! Tenho que ir agora, preciso levar a cerveja! Um abraço!”. Tristeza. Caí numa profunda depressão quando o telefone tocou. Era Nulho! E me disse estas palavras: “Marcelinho, vote no Claudomiro do Posto! Não esqueça!”, tentei entender tudo aquilo, “Claudomiro do Posto? Mas e você Nulho? Eu vou votar em você!”, me respondeu, “Não faça isso! Nem minha mãe vai votar em mim. O Claudomiro é do CACETZ!, um partido novo e com idéias maravilhosas. E além disso, vou abastecer meu fusca de graça por um ano! Um grande abraço Marcelinho, fica com Deus!”.

Entrei na casinha de papelão para votar. Deprimido. Toda nossa organização. As reuniões e os momentos de alegria. E votei no Nulho. Na apuração uma coisa estranha aconteceu, Nulho recebeu dois votos. Quem pode ter votado nele? Pensei. E quando passei por debaixo do viaduto, um dos mendigos me reconheceu, e veio correndo gritando “É Nulho! É Nulho!”. Me sentei então no meio fio, retirei a carteira do bolso e peguei o papel onde estava o nome do meu candidato. Admirei por alguns minutos aquele magnífico nome. Quando o vento aumentou, soltei o papel que saiu rodopiando. Enfim as eleições terminaram. Me levantei e levei meu amigo mendigo para tomar um café no posto do Claudomiro, do outro lado da rua.

Guilherme Pedrosa Lima
Enviado por Guilherme Pedrosa Lima em 20/11/2012
Reeditado em 26/11/2012
Código do texto: T3995918
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