ZECA E O CACHORRO – Um conto de Carteiro.
Por Carlos Sena
(FOTO DA INTERNT VIA GOOGLE)
Zeca era um carteiro muito conhecido em uma cidade de porte médio no interior de Pernambuco. Funcionário dedicado dos correios, ele não abria mão de não fazer seu trabalho mesmo que “chovesse canivete”. Ser carteiro pra Zeca era como o ar que ele respirava. Entregar uma carta, no seu entender, não era apenas bater na porta e entregar. Não. Pra ele entregar uma carta era como entregar sonhos. Nem sempre bons, mas pesadelos também. Zeca tinha a perfeita noção de que muita gente sabia a hora dele entrar na rua para entregar, quem sabe, um pedido de casamento? Talvez uma notícia de dinheiro, ou de emprego de um familiar que fora ganhar a vida no sul do país? Talvez uma cobrança, um desaforo, um casamento terminado por carta, uma má noticia de falecimento ou coisas semelhantes. Por isto e muito mais Zeca era carteiro. Claro que ficava feliz sendo arauto do prazer e da felicidade. Mas ele sabia que o que dá pra rir dá pra chorar e, desta forma, não comandava os assuntos das missivas que entregava. Certo dia, ao chegar numa casa a mocinha saiu gritando, “Seu Zeca, seu Zeca, quero lhe dar um abraço”. “Sabe aquela carta que o senhor me entregou ontem – era do meu namorado que está vindo de São Paulo me buscar pra casar e ir embora definitivamente”. Ah, seu Zeca deixe eu lhe dar um abraço. Quero também lhe convidar pra tomar “uma” comigo e minhas amigas aqui em casa hoje a noite. Diga que vem, diga! (Ele agradeceu, mas não foi porque não gostava de misturar o profissional com o pessoal)
A vida de Zeca era um pouco desse prazer. Repito: isto fazia dele um funcionário exemplar. Dentre outras histórias interessantes, aconteceu com ele uma insólita: de repente ele se sente seguido por um cachorro. Ficou sem entender e seguiu trabalhando pensando que o cão logo fosse embora. Engano. O cão seguiu Zeca durante todo o dia. Ele batia palmas numa casa e, enquanto a pessoa não vinha, ele estava ali, do ladinho, sentado. Quando a pessoa chegava que recebia a encomenda, logo ele se levantava e seguia o carteiro. Zeca parou pra almoçar e ele ali, pertinho. Como sobrou um pouco do almoço quem comeu a sobra? Ele o cão. Zeca prossegue e ele também. Ao final do dia Zeca teve que retornar pra casa. Quando entra no ônibus, claro que o cachorro não poderia entrar. O ônibus dá partida, mas Zeca, com os olhos lagrimejando, viu o pobre cão seguindo o ônibus até perder de vista.
Dia seguinte, a rotina é retomada dentro da normalidade. Contudo, há tempos que Zeca não entendia um fato que ocorria em determinada rua que fazia parte do seu trajeto. Os carteiros, como sabemos, trabalham por escala e por bairros e nesses as ruas. Os correios não mudam com felicidade esses trajetos, para facilitar o conhecimento dos carteiros com os habitantes, até por questão de confiabilidade. Mesmo assim e por isto mesmo, algo lhe despertava desconfiança. Toda vez que ele se aproximava de determinada casa, a porta de cima sempre estava meio aberta – dando a impressão que alguém abria na medida certa para ver quem passava, mas para que ninguém do lado de fora soubesse quem, de fato estava ali. Quando Zeca se aproximava, a certa distancia, já podia ver que aquela pessoa estava lá, de prontidão, aguardando ele passar. Ele fazia de conta que nem via, mas não adiantava, quando se aproximava da porta, vinha sempre aquela voz grave: “cada minha carta”? Quando ele olhava, a porta estava batida e não se abria mais durante todo o dia. “Cadê minha carta”! Zeca pensava no que poderia ser e quem seria aquela pessoa dona daquela voz tão soturna que, certamente deveria ser de uma senhora. Até sonhar com o bordão “cadê minha carta” ele sonhava. Certo dia ele pediu uma folga do correio. Pensou consigo mesmo: “vou montar guarda naquela rua e ficar observando aquela casa, pois de repente sai alguém de lá e, então, eu poderei saber desse mistério”... Ficou por ali. Sentou numa lanchonete que dava visão pra casa que ele estava investigando. Nada. Não conseguiu nada durante toda a manhã. Sequer a porta se entreabria. O detalhe é que a hora que Zeca geralmente passava por lá era em torno de 15h. Então, merecia esperar para à tarde ele observar mais detalhadamente tomando por base a hora habitual que ele passava por aquela rua. Deu umas voltinhas, almoçou por ali, até dar a hora desejada. Inesperadamente, quem chega perto de Zeca? Um cachorro, igualzinho àquele que lhe seguira por todo um daqueles dias de trabalho. E o danado do cão permaneceu e o reconheceu, pois isto ficou bem claro. Zeca saiu em direção ao seu intento, mas o cachorro o seguia desta vez em sua frente. Corria um pouco e, adiante, o cão olhava pra traz como que a dizer “me siga”. Zeca seguiu o danado do cão – se naquele dia ele foi seguido, agora ele segui o cachorro. De repente o cachorro para exatamente naquela casa em que a voz “cadê minha carta” ecoava. Zeca se arrepiou. Pensou que fosse alguma coisa espiritual e isto ele, Zeca, tinha medo que se borrava todo. Mas, àquela hora da tarde, dificilmente ele iria ter medo além do necessário para essas situações. O cachorro, ao chegar àquela casa, arranhou a porta e, quem sai lá de dentro? Uma senhora descabelada, mas bem vestida, maquiagem borrada e com um solidéu de noiva, saltitava dizendo pra o cachorro: “você conseguiu achar ele”, “você conseguiu achar ele”! Abraçada ao cachorro ela o beijou, fez carinho no bicho e, em seguida olhando nos olhos do carteiro gritou: “foi você que não me entregou a carta do meu noivo no mês de fevereiro de cinco anos passados – ele estava vindo me buscar para a gente se casar e ser feliz pra sempre nas terras do Tio Sam”! Não, disse Zeca. Eu não entreguei sua carta porque não tinha ninguém em casa! Mas estou com ela até agora pra lhe entregar. Então vocês poderão se casar como antes! Puxou uma carta qualquer da sua sacola (sem saber sequer o que estava dentro) e a deu como se fosse a que ela esperava. Ela Abriu a carta. Mas não tinha nada escrito, apenas um papel em branco. “Que pena, disse ela. O tempo apagou as letras, mas agora eu tenho certeza que ele me ama. Vou comprar uma passagem de avião e vou encontra-lo”... Deu um abraço em Zeca e começou a cantar, ao mesmo tempo em que abria a velha porta: “quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude não sei como pude chegar ao portão”...
Zeca saiu dali com os olhos marejando de lágrimas. O cãozinho tentou lhe acompanhar, mas ele, embora com vontade de adotá-lo, não quis decretar a solidão absoluta para aquela senhora que, por conta de um grande amor, de um grande abandono, teria perdido o juízo. O pobre cão era, pois, sua permanente companhia.
Por Carlos Sena
(FOTO DA INTERNT VIA GOOGLE)
Zeca era um carteiro muito conhecido em uma cidade de porte médio no interior de Pernambuco. Funcionário dedicado dos correios, ele não abria mão de não fazer seu trabalho mesmo que “chovesse canivete”. Ser carteiro pra Zeca era como o ar que ele respirava. Entregar uma carta, no seu entender, não era apenas bater na porta e entregar. Não. Pra ele entregar uma carta era como entregar sonhos. Nem sempre bons, mas pesadelos também. Zeca tinha a perfeita noção de que muita gente sabia a hora dele entrar na rua para entregar, quem sabe, um pedido de casamento? Talvez uma notícia de dinheiro, ou de emprego de um familiar que fora ganhar a vida no sul do país? Talvez uma cobrança, um desaforo, um casamento terminado por carta, uma má noticia de falecimento ou coisas semelhantes. Por isto e muito mais Zeca era carteiro. Claro que ficava feliz sendo arauto do prazer e da felicidade. Mas ele sabia que o que dá pra rir dá pra chorar e, desta forma, não comandava os assuntos das missivas que entregava. Certo dia, ao chegar numa casa a mocinha saiu gritando, “Seu Zeca, seu Zeca, quero lhe dar um abraço”. “Sabe aquela carta que o senhor me entregou ontem – era do meu namorado que está vindo de São Paulo me buscar pra casar e ir embora definitivamente”. Ah, seu Zeca deixe eu lhe dar um abraço. Quero também lhe convidar pra tomar “uma” comigo e minhas amigas aqui em casa hoje a noite. Diga que vem, diga! (Ele agradeceu, mas não foi porque não gostava de misturar o profissional com o pessoal)
A vida de Zeca era um pouco desse prazer. Repito: isto fazia dele um funcionário exemplar. Dentre outras histórias interessantes, aconteceu com ele uma insólita: de repente ele se sente seguido por um cachorro. Ficou sem entender e seguiu trabalhando pensando que o cão logo fosse embora. Engano. O cão seguiu Zeca durante todo o dia. Ele batia palmas numa casa e, enquanto a pessoa não vinha, ele estava ali, do ladinho, sentado. Quando a pessoa chegava que recebia a encomenda, logo ele se levantava e seguia o carteiro. Zeca parou pra almoçar e ele ali, pertinho. Como sobrou um pouco do almoço quem comeu a sobra? Ele o cão. Zeca prossegue e ele também. Ao final do dia Zeca teve que retornar pra casa. Quando entra no ônibus, claro que o cachorro não poderia entrar. O ônibus dá partida, mas Zeca, com os olhos lagrimejando, viu o pobre cão seguindo o ônibus até perder de vista.
Dia seguinte, a rotina é retomada dentro da normalidade. Contudo, há tempos que Zeca não entendia um fato que ocorria em determinada rua que fazia parte do seu trajeto. Os carteiros, como sabemos, trabalham por escala e por bairros e nesses as ruas. Os correios não mudam com felicidade esses trajetos, para facilitar o conhecimento dos carteiros com os habitantes, até por questão de confiabilidade. Mesmo assim e por isto mesmo, algo lhe despertava desconfiança. Toda vez que ele se aproximava de determinada casa, a porta de cima sempre estava meio aberta – dando a impressão que alguém abria na medida certa para ver quem passava, mas para que ninguém do lado de fora soubesse quem, de fato estava ali. Quando Zeca se aproximava, a certa distancia, já podia ver que aquela pessoa estava lá, de prontidão, aguardando ele passar. Ele fazia de conta que nem via, mas não adiantava, quando se aproximava da porta, vinha sempre aquela voz grave: “cada minha carta”? Quando ele olhava, a porta estava batida e não se abria mais durante todo o dia. “Cadê minha carta”! Zeca pensava no que poderia ser e quem seria aquela pessoa dona daquela voz tão soturna que, certamente deveria ser de uma senhora. Até sonhar com o bordão “cadê minha carta” ele sonhava. Certo dia ele pediu uma folga do correio. Pensou consigo mesmo: “vou montar guarda naquela rua e ficar observando aquela casa, pois de repente sai alguém de lá e, então, eu poderei saber desse mistério”... Ficou por ali. Sentou numa lanchonete que dava visão pra casa que ele estava investigando. Nada. Não conseguiu nada durante toda a manhã. Sequer a porta se entreabria. O detalhe é que a hora que Zeca geralmente passava por lá era em torno de 15h. Então, merecia esperar para à tarde ele observar mais detalhadamente tomando por base a hora habitual que ele passava por aquela rua. Deu umas voltinhas, almoçou por ali, até dar a hora desejada. Inesperadamente, quem chega perto de Zeca? Um cachorro, igualzinho àquele que lhe seguira por todo um daqueles dias de trabalho. E o danado do cão permaneceu e o reconheceu, pois isto ficou bem claro. Zeca saiu em direção ao seu intento, mas o cachorro o seguia desta vez em sua frente. Corria um pouco e, adiante, o cão olhava pra traz como que a dizer “me siga”. Zeca seguiu o danado do cão – se naquele dia ele foi seguido, agora ele segui o cachorro. De repente o cachorro para exatamente naquela casa em que a voz “cadê minha carta” ecoava. Zeca se arrepiou. Pensou que fosse alguma coisa espiritual e isto ele, Zeca, tinha medo que se borrava todo. Mas, àquela hora da tarde, dificilmente ele iria ter medo além do necessário para essas situações. O cachorro, ao chegar àquela casa, arranhou a porta e, quem sai lá de dentro? Uma senhora descabelada, mas bem vestida, maquiagem borrada e com um solidéu de noiva, saltitava dizendo pra o cachorro: “você conseguiu achar ele”, “você conseguiu achar ele”! Abraçada ao cachorro ela o beijou, fez carinho no bicho e, em seguida olhando nos olhos do carteiro gritou: “foi você que não me entregou a carta do meu noivo no mês de fevereiro de cinco anos passados – ele estava vindo me buscar para a gente se casar e ser feliz pra sempre nas terras do Tio Sam”! Não, disse Zeca. Eu não entreguei sua carta porque não tinha ninguém em casa! Mas estou com ela até agora pra lhe entregar. Então vocês poderão se casar como antes! Puxou uma carta qualquer da sua sacola (sem saber sequer o que estava dentro) e a deu como se fosse a que ela esperava. Ela Abriu a carta. Mas não tinha nada escrito, apenas um papel em branco. “Que pena, disse ela. O tempo apagou as letras, mas agora eu tenho certeza que ele me ama. Vou comprar uma passagem de avião e vou encontra-lo”... Deu um abraço em Zeca e começou a cantar, ao mesmo tempo em que abria a velha porta: “quando o carteiro chegou e meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude não sei como pude chegar ao portão”...
Zeca saiu dali com os olhos marejando de lágrimas. O cãozinho tentou lhe acompanhar, mas ele, embora com vontade de adotá-lo, não quis decretar a solidão absoluta para aquela senhora que, por conta de um grande amor, de um grande abandono, teria perdido o juízo. O pobre cão era, pois, sua permanente companhia.