Nota zero para mim - Desventuras no Alasca
Eu contava 16 anos e ela, no mínimo, 60. Tudo começou em uma fila de supermercado no Alasca. Não, não se trata de uma intensa e linda história de amor. Estou falando de um crime. Vou explicar, mas tenha calma: é uma história um tanto quanto triste (para mim) e hilária (para você).
Estava no Wal-Mart da Child's Road com meus humildes dez dólares para comprar o mais novo CD do Ja Rule. À seção de música, procurei pelo tal disco até achá-lo na última prateleira, a mais próxima do chão. Para alcançá-lo, tive que inclinar-me à frente, e, infelizmente, deixar à mostra minhas partes posteriores carnudas e globosas (é, leitor, tive de deixar a bunda pro alto mesmo). Meu maior desejo no momento era tirar logo aquele CD dali, mas ele tinha, para a minha infelicidade, emperrado nas armações de ferro da prateleira. A agonia só aumentava. Eu voltava a ficar de pé e depois me inclinava de novo para tentar pegar aquilo que, em breve, me pertenceria. Alternava para, obviamente, não passar mais tempo em posição tão constrangedora, próxima àquela que, segundo boatos, Napoleão perdeu a guerra. Minhas tentativas, que se repetiram periodicamente quatro vezes, foram frustradas. Quase desistindo e pedindo ajuda a um funcionário da loja, resolvi tentar mais uma vez: inclinei o tronco à frente e expus, mais uma vez, meu derrière. Dessa vez, demorei mais tempo, porque acreditei que, determinado do jeito que eu estava, o Ja Rule não tardaria a estar sob meu poder. Foi quando, para o meu total desespero, vi se aproximar de mim um ser do sexo masculino (não digo homem porque tenho lá minhas dúvidas quanto à opção sexual daquela pessoa). Entrei em pânico: não poderia abandonar minha busca àquela altura do campeonato quando eu já tinha tirado praticamente todo o CD da prateleira e erguer-me eretamente para encarar aquele ser nos olhos com o olhar mais másculo que eu seria capaz de produzir. Resolvi, então, apressar-me na missão antes que aquele que eu pré-julguei como homossexual se aproximasse de mim e viesse a...! Prefiro não dizer. Já me sinto invadido (física e mentalmente) só de pensar em pensar tão impuras coisas. Bom, o que aconteceu foi o seguinte: o cara parou atrás de mim num ponto cego meu onde eu não conseguia ver seu rosto, ou seja, não sabia para onde ele estava olhando. Eu vi, alucinadamente e em câmera lenta, a mão dele adejar o ar e aproximar-se do meu patrimônio traseiro. Que susto! Suas falanges passaram direto, mostrando-me, com o indicador, uma outra cópia do CD que se encontrava em local de bem mais fácil acesso do que esse que me submetera a essa napoleônica posição. Agradeci, peguei o disco na prateleira sugerida por aquele que usava uma camisa com a gravura de um arco-íris e fui para a fila pagar pelo tão almejado objeto.
A fila não estava muito grande. No máximo, 4 pessoas na minha frente. Estava tudo tranqüilo, se excluirmos o fato de uma senhora na minha frente olhar, de minuto em minuto, para a minha cara e, quando percebia que eu a encarava de volta, tornava a virar-se para frente num susto. Ela fez isso algumas vezes e eu, obviamente, estranhava, mas não falava nada: ainda estava atordoado diante do risco que corri minutos antes na prateleira. A idosa devia ter uns 60 anos e usava um pano na cabeça, uma saia longa, sapatos de gafieira e uma blusa de seda larga e estampada. A certo momento, não me contive: ela olhou pra minha cara e eu disse, em alto e bom inglês: "What's up?". Sim, pareci grosseiro, mas aqueles olhares cheios de rugas já estavam fazendo com que meus nervos dessem nós. "Nada, não", respondeu ela. "É que você se parece muito com meu filho, mas ele morreu já faz tempo...", e, com o semblante triste, abaixou a cabeça. Senti todo o peso do mundo nas minhas costas por ter falado de forma tão mal educada com aquela pobre senhora. Minha vontade era de que ela pudesse me bater para que eu criasse vergonha na cara. Ela prosseguiu. "Será que quando eu for embora, você pode falar 'tchau, mãe' para mim?". Eu, capaz de tudo pra me redimir com ela naquele momento, disse que sim com o sorriso mais afetado que eu pude mostrar. A mulher tinha o aspecto de uma santa, era imaculada ao meu ver. Tão frágil, pequena e velha que agradá-la seria algo prazeroso. Pelo que percebi, ela era uma senhora solitária que não tinha felicidade havia anos. Felicitá-la seria muito gratificante. Pois bem. Nota zero para minha ingenuidade. A coroa passou pelo caixa, pôs suas compras nas mãos, virou para trás e acenou. Eu disse: "tchau, mãe", e ela, com sincero sorriso na face, acenou com fervor. Me senti puro, alvo. Andei para frente, cumprimentei o moço do caixa e ofereci-lhe o CD. "É dez dólares, né?". "Não, oitenta." E, com um olhar de completa incompreensão na face, interroguei-o: "Oitenta?". E ele, para a completa destruição da minha alma e intelecto, respondeu: "É. Sua mãe disse que você ia pagar as compras dela". "Tá maluco? Ela não é a minha mãe, não! Pera aí!". Disse isso a plenos pulmões e saí correndo em direção à senhora que, há 5 segundos, acabava de passar pela porta da saída. Foi então que o fato ainda mais extraordinário aconteceu: não satisfeita em me aplicar esse golpe, a velha corria pra cacete! Eu estava a uma distância de uns dez metros, inicialmente. Quando cheguei à porta do estabelecimento, correndo muito - e olha que não sou nem um pouco lento -, ela já tinha ampliado a vantagem para algo em torno de quarenta metros! Corri, corri, corri atrás daquela coroa maldita... e ela só se distanciava. Eu ia correndo e pensando num jeito daquela, desculpe o termo, filha-da-puta correr mais do que eu. Eis que ela entra no carro e leva consigo muito mais do que meu dinheiro: ela levou minha 'carioquice'. Como eu, carioca da gema, saio do Rio de Janeiro e vou tomar um golpe aplicado por uma velha no Alasca? Cabisbaixo, segui andando em direção ao Wal-Mart. Àquela hora, percebi que o alarme do supermercado estava soando, pois o cd ainda estava na minha mão. Eu estava no meio do estacionamento. Pensei: "eu não posso voltar. Não tenho dinheiro pra pagar por isso". Pelo menos meu objetivo já estava cumprido, uma vez que o Ja Rule já estava comigo. Dei meia-volta e apressei-me a correr antes que os seguranças do local viessem procurar pelo crioulo baderneiro que estava roubando a loja e querendo bater numa pobre, indefesa e branca senhora.
Caminhando, minutos depois, revivi meus momentos no Wal-Mart: o perrengue pra tirar o cd da prateleira; o semi-assédio sexual daquele ser; o inacreditável golpe da velhinha. Desolado, concluí: "tô no Alasca, tô (a)lascado!"