Mesmo que torto, mesmo que passado

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Todo fim de ano se deságua na minha rua por chuvas torrenciais que não duram mais do que três músicas no piano. O vento entrando pela fresta desenhava espirais nos filtros dos sonhos e o cheiro da chuva era, incontestavelmente, o cheiro da nostalgia.

O coração batendo, enquanto, deitado na cama sua respiração causava um frio no estômago, lhe contando de forma singela, como se tentasse amenizar a situação do próprio tempo se confessando por sensações que causavam arrepio na pele. E nesse dado instante, em uma fração de segundos, deitado na cama, ele respirou sua vida inteira pelo vento que entrou pela janela. Mesmo sendo apenas um segundo, o perfume da nostalgia o jogou além das entranhas do que um segundo é capaz de arrebatar na mente.

O olhar fitando nas paredes os acasos da vida inteira, dos acontecimentos aleatórios que por descuido dele viraram rotina, verdades que o acomodaram numa estagnação do ser, implorando por mudança contínua, impulsiva, o arremessando de um ciclo vicioso, para outro. Tocando ali, num canto, um piano, e a chuva tocando a canção dos ares, escorrendo no olhar, no reflexo oculto, de cabeça para baixo, traduzindo o seu olhar que fitava a parede em perguntas com respostas vazias, preenchidas por convivências, mais acasos, conversas, conclusões perdidas, sonhos alcançados e os que ainda ele não cometera.

Dúvidas vindas no frio interno, causado pelo cheiro da nostalgia endêmica da chuva em dias de fim de ano, merecem respostas vazias, respostas advindas do tempo passado, pensou. Sua mãe lhe dizia sobre como viver o presente, esquecer o passado, e ele, em conflito tremia e refletia naquele instante uma maneira para desapegar do que havia sido um dia, daquilo que escorria no vidro de sua janela de ponta cabeça, isso que cheirava a vida toda num fio de vento, escapando pela fresta, filtrado-se nos seus sonhos. Eram lágrimas do silencio perpetuando seu passado inteiro, das lembranças se deslocando num vai e vem sem fim, sem cessar, refletidas no espelho do passado, mesmo que torto, mesmo que passado.

Rangel Goulart
Enviado por Rangel Goulart em 15/11/2012
Código do texto: T3988130
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