MAIADO
A casa do meu padrinho precisava de reformas e ele contratou um pedreiro, dos bons, para fazer o serviço.
Além da alvenaria que iria substituir as paredes de taipa, havia a necessidade de trocar a maior parte da cumeeira que fora danificada pelos insetos e as goteiras das chuvas nos quase cem anos da velha casa.
Foram comprados quatro troncos enormes da resistente madeira de Sucupira que seriam trazidas da cidade vizinha num carro de bois.
Da serraria até a casa do meu padrinho, o carro puxado por três juntas, levaria praticamente o dia todo.
Os bois da frente, chamados de bois de tiro, um era preto e outro marrom, quase vermelho.
Os do meio, um era malhado de preto e branco e o outro era cinza claro, quase branco.
A terceira junta, junto da carroça, chamados de bois de coice, um era todo branco e o outro, cor de sujo, amarelo desbotado, quase dourado.
Nessa época, eu adolescente, não poderia perder essa aventura de forma alguma e assim que os troncos estavam colocados e muito bem amarrados à carroça, me encarapitei em cima deles e, como os animais, aguardei pacientemente a ordem de seguirmos em marcha, lenta, mas contínua.
- Hei! Maiado... Ôôô, boiiii! (Disse o carreiro velho, seu Nestor).
Seu Nestor era homem de baixa estatura, sempre descalço, camisa fechada com um nó na altura da cintura onde se juntava à calça, também azul, e talvez do mesmo pano da camisa, com as pernas arregaçadas até o meio da canela. Chapéu de couro de aba curtinha, com o barbicacho pendente do queixo. Presa no cós da calça, no meio das costas a faca peixeira, instrumento das mil e uma utilidades, mais amolada que navalha de barbeiro.
A pele de seu Nestor, vincada no pescoço, peito e braços parecia papel, seca, enrugada de cor indefinida pelos muitos anos de exposição ao sol inclemente do sertão.
Com a vara longa apoiada no ombro, seu Nestor seguia na frente do carro, guiando os animais, estimulando-os com a voz grave e mansa como um aboio, porque seus animais desconheciam as picadas do aguilhão da ponta da vara, que quando muito era usada para guiar, pelos chifres da junta de tiro, a direção ou a manobra a ser executada para posicionamento do carro.
- Afasta Maiado! Se arruma, se arruma... Maiado!
Entre um tranco e outro, eu perguntei.
- Seu Nestor, como é o nome desses bois da frente?
- É Maiado, mô fio.
- E esse branco aqui, esse grandão?
- É Maiado tomém.
- E esses do meio?
- É Maiado.
- Oxente! Todos eles se chamam Maiado?
- É.
- E por que isso?
- Ói minino, é mai mio. Quandi ieu quero qui eles faça arguma coisa é só dizê, vamo Maiado, e eles tudim obedece duma vêi só.