A SAGA DE MARIQUINHA - PARTE III (O Perfume de Jasmim)

(O Perfume de Jasmim)

Ali tivemos que esmolar bastante para ajuntarmos bastante mantimento para prosseguirmos a jornada a jusante do lado esquerdo rio. A ferida em minha cabeça após o banho inflamou. Doía muito, muito! Um dia quando sai para esmolar só não desmaiei de dor pela graça de Deus. Minhas vistas escureceram e eu me assentei sobre o meio-fio da calçada de pedras portuguesas e fiquei horas, até passar um pouco a dor.

Quando me aproximei de um casarão para pedir uma esmola, antes senti fluir de seu jardim florido um aroma que inundava os ares com o seu perfume. Uma senhora de cabelos grisalhos e ar bondoso, ao ver que minha cabeça sangrava, tomada de compaixão, perguntou-me com visível interesse o que aconteceu.

__ Como você se chama, querida?

__ Quinha, senhora! Me chamam de Quinha!

__ O meu, é Natalina, deixe-me ver esse ferimento em sua cabeça! Coitada, como você agüenta filha! Tem até uns bichinhos mas vamos tratá-la.

__ Ela tratou minhas feridas, deu-me comida, um vestido novinho de chita, que caiu muito bem em mim, além sandálias e de uma boa esmola. Pediu-me que passasse por lá todos os dias, queria acompanhar a melhora do meu ferimento até sarar. As vezes, eu ficava horas naquele jardim, sentindo o inebriante aroma de jasmim que me fazia sonhar com dias melhores e o colo de mamãe.

Outro dia mesmo quando não estava esmolando como num passe de mágica eu era impulsionada a ir até ali, como um autômato. Fui despertada daquela espécie de transe, por alguém que falou suavemente às minhas costas.

__ Oi! Como você está linda, onde comprou o vestido!

__ Não senhora! Não comprei, ganhei de D. Natalina! Hoje não estou esmolando, eu queria que ela visse como ficou em mim! Vim aqui hoje, apenas sentir o cheiro do jasmim! Como a Senhora se parece com Dona Natalina, tomei até um susto!

Falou dona Natalina que acabara de chegar e ouviu a conversa.

__ Esta linda senhora chama-se Dona Ormínia é minha irmã gêmea, ela veio da capital Recife e logo irá para Belém de São Francisco aonde filhos e propriedade por lá.

Portanto não teve muito tempo de ver Ormínia que logo se afastou com os criados e suas malas.

__ Mas entre filha! Venha ver de perto o jardim, se quiser pode pegar flores. Ali também tem mais um pequeno regador se quiser pode me ajudar a molhar o jardim! Diga-me uma coisa, quando é que vocês vão-se embora?

Não sei não, senhora! Quem sabe é a madrinha, talvez logo, a gente nunca sabe quando, quando ela decide é pra já! Nós pretendemos chegar a Belém de São Francisco muito longe daqui, não é?

__ Não é tão perto, mas você já vieram de tão longe!

__ Quem é a madrinha?

É a minha irmã mais velha. Ela é que cuida de mim e todos os outros andarilhos.

__ Olhe, Quinha! Quando você chegar lá em Belém, não se esqueça de procurar Dona Ormínia, ela poderá ajudá-la! Vou lhe dar por escrito uma recomendação minha, quando você chegar lá não se esqueça de procurá-la.

__ Peguei aquele bilhete, dobrei e enfiei na altura do cós, sob o cinto!

Caia a madrugada do dia em que partimos, o céu estava tão estrelado que algumas luzes amareladas em frente a catedral pareciam envergonhadas. Nem tive tempo de me despedir de Natalina, daquele jardim. Seguia-me apenas a ilusão de sentir o cheiro do jasmim, do suave carinho de Natalina.

Procurava senti-la naquela noite de estrelas e sonhava com o carinho de minha mãe.

Após meses, passamos por várias cidades sempre mendigando, e tantos acontecimentos me fizeram perder o bilhetinho. Passaram-se muitos meses até que um dia já em Belém de São Francisco ao mendigar num casarão próximo a Igreja do Menino Deus, chamou-me a atenção inconfundível perfume de jasmim do jardim de um casarão de paredes grossas um beiral de madeira trabalhada e a parede do jardim com bela grade de madeira pintada de verde.

Minha mente percorreu todos os obstáculos e lembrei-me do bilhete perdidoa muito tempo.

Perguntei a uma mulher que passava o seguinte:

__ Senhora! Por favor, diga-me quem mora neste casarão tão bonito?

Ela respondeu:

__ É uma das Senhoras mais rica dessa cidade, e também a melhor pessoa que se possa conhecer. Herdeira de muitas posses! E um coração de ouro.

Ouvindo aquelas palavras meu coração acelerou e lembrei-me de Natalina.

Ficou tão surpresa que as palavras não lhe saiam:

__ Ô de casa! Ô de casa e gaguejou!

Quando ela apareceu parecia que estava diante daquela mesma senhora que me curou a ferida. Ali aquela bela senhora cabelos grisalhos, semblante bondoso como um anjo, foi logo dizendo:

__ Entre filha o portão está aberto! Como você está linda com este vestido. Venha aqui mais perto! O que minha filha deseja?

__ Eu ainda estava com aquele mesmo vestido de chita, já apresentando os sinais de desgaste pelo tempo. Ela não se lembrou de mim, afinal foi uma vista muito rápida naquela ocasião. Criei coragem e falei:

__ Seenhoora! Seenhoora! há muitos meses, ferida e doente, estive esmolando na cidade de Petrolina. Lá, uma casarão cujo jardim florido como este,

o mesmo perfume que este, e uma Senhora igual à Senhora, tratou de minhas feridas, me deu o seu afeto e o seu carinho e também o seu amor. Este mesma Senhora me fez uma recomendação por escrito num bilhete que perdi pelas minhas mendicâncias. O perfume de jasmim me fez reativar a memória e me lembrei o nome dela é Natalina!

__ Dava para notar, podia se ver claramente em seu semblante, sua semelhança ao da outra, sua pureza e sua bondade destilavam-se dos seus olhos seus modos. Ela fazia de tudo parame deixar à vontade tal a sua simplicidade.

__ Como vai querida você querida, faz também um tempão que não vejo a minha querida irmã lá de Petrolina! Ela está bem? Ela é muito generosa aquel minha irmã é um anjo.

__ Olha senhora faz muito tempo que saímos de lá! Mas uma pessoa daquelas, que Deus a abençoe ricamente, deve está bem pela graça de Deus!

__ Olha filha! O que posso fazer por você?

__ Eu não sei não Senhora! Preciso mesmo é trabalhar!

__ Bem! Você quer vir trabalhar para mim morando aqui em casa?

__ Sim, Senhora! Sim! Eu vou falar com a madrinha!

Apesar de mocinha de apenas quinze anos, corri como criança saltitando num pé e noutro como: por uns instantes até me esqueci-me de esmolar e a madrinha ficou uma fera. Quando a madrinha me avistou sem esmolas nas mãos, foi logo dizendo:

__ Se você não conseguiu nenhuma esmola, menina! Também hoje você não comer, ah não vai não!

__ Tudo bem madrinha! Só quero conversar com a madrinha um pouco, posso?

__ O que é que tem de tão misterioso? Vamos, Vamos lá desembucha logo, conta logo de uma vez!

__ Hoje Madrinha, ao esmolar pela cidade, passando pelo mais bonito casarão próximo à Igreja do Menino Deus, lembrei-me do nome que aquela senhora lá de Petrolina me recomendou. Ela não somente parece gêmea mas o é em gestos, fato e amor. Ao lhe explicar tudo direitinho ela me convidou para trabalhar para ela e ir morar lá. O que a senhora acha?

Mas para a madrinha agora saída de um membro da mendicância significava menos alimento.

__ Será que você agora pretende nos abandonar, depois de tudo que temos feito por você sua ingrata. Ou será que você encontrou um príncipe encantado e vem com essa estória de trabalharem casa de branco.

Pensou bastante e rapidamente avaliou tirar algum proveito da situação.

__”Quem sabe de lá ela poderá nos ajudar mais!" E acrescentou:

Se é esse o seu destino pelo ao menos vê se não esquece da gente que te criou com tanto carinho! Arrume seus trapos princesa e pode ir. Tem a minha bênção.

E caiu aos prantos, ela adorava Mariquinha.

E assim como eu estava peguei minha combuca e entre lágrimas sai cabisbaixo arrastando os pés como que apagando o rastro. Ao aproximar-me, parece até que Ormíndia já estavam me aguardando de pés sob alpendre. Ali haviam três Senhoras conversando, a dona da casa, uma negra e uma sará. Fui chegando de mansinho toda tímida.

E com ar tranqüilo perguntou-me mais uma vez a dona da casa.

__ Como é o seu nome, filha?

__ Meu nome, é Maria Josefa! Mas me chamam de "Quinha"!

__ Olhe, essa é Pitucha ela é excelente cozinheira. Aquela é Rosalina, auxiliar da cozinheira. Ambas são boas senhoras terão carinho por você e você será bem cuidada por todos aqui!

__ As duas me foram muito simpáticas, passaram a gostar muito de mim, era como se eu fosse suas confidentes, ou melhor sua filha e eu as respeitava e as escutava com paciência. Eu não tinha função nem tampouco obrigação fazia o que queria por puro prazer e nada me faltava.

Ali, eu lavava, passava, ajudava na cozinha, era uma espécie de faz tudo, mas não me incomodava o ambiente esplêndido. Ganhei roupas novas, calçados, material de higiene. Apesar de bastante usado o meu velho vestidinho de chita quase desbotado ainda era muito bonito e caia bem em mim, era o que eu mais gostava de vestir.

Todo entardecer quando fazíamos todos os serviços podíamos passear na praça coronel Gerônimo Pires, sob as amarelas luzes do gerador.

Pela manhã eu estava sempre muito ocupada, ajudando nos preparativos dos filhos da patroa, para irem à escola.

Continua A SAGA DE MARIQUINHA - PARTE IV (A Grande Revelação)...

NATINHO SILVA
Enviado por NATINHO SILVA em 10/11/2012
Reeditado em 17/11/2012
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