TAXI

O calor opressivo desde o alvorecer não deixava duvida que teríamos tempestade no meio da tarde.

As seis corridas feitas antes do almoço davam de sobra para pagar a diária do taxi, reabastecer e fazer a feira da quinzena.

Com o tanque do carro cheio, voltei ao supermercado, estacionei numa das vagas para clientes, cobri o taxímetro e fui despachar a notinha que a mulher tinha deixado presa na chave do carro, enquanto eu tomava banho e ela saía para levar nosso filho no Grupo Escolar, subindo a rua, duas quadras adiante.

Com as compras separadas no carrinho, procurei um check-out onde a fila estivesse menor.

Depois de muito rodar, achei uma que devia ter umas doze pessoas e me posicionei atrás delas.

Carrinhos abarrotados, clientes cansados, crianças impacientes com a demora injustificada.

De repente um raio desligou o sistema e apagaram-se as luzes.

Em poucos instantes as lâmpadas de emergência se acenderam automaticamente, mas o sistema não dava sinal de vida até que o gerador foi ligado e quase tudo voltou ao normal.

O sistema de leitura automática dos códigos de barra não voltou e os operadores de caixa tiveram que digitar os códigos dos produtos, um a um, artigo por artigo para cada um dos clientes.

A chuva cada vez mais forte trouxe consigo os alagamentos e engarrafamentos quilométricos do trânsito.

Quando saí do supermercado, com a feira bem acomodada no porta malas, estava tudo escuro por conta da falta de energia nos postes de iluminação e os semáforos apagados.

Com a velocidade que o trânsito caótico permitia, peguei o rumo de minha residência.

De nada adiantaria eu ficar pela rua no meio daquele inferno molhado.

Os ônibus lotados não paravam nos pontos onde multidões acenavam como loucas.

Parado, sem poder ir para frente nem para trás, ouvi alguém batendo em minha janela.

Era um homem negro, todo molhado, com uma sacola grande, dessas de recém-nascido, debaixo do braço.

Abri dois dedos da janela e o homem disse com voz suplicante:

- Pelo amor de deus motorista. Minha mulher está ali com meu filho recém-nascido. Saímos do médico e agora não temos como voltar para casa. Ele está muito doente. Eu pago quanto o senhor pedir, mas pelo amor de deus, pela sua mãe, não deixe meu filho nessa chuva.

Aquele desespero de um pai para proteger o seu filho tocou minha alma e quase sem poder conter as lágrimas, destravei as portas e disse para ele entrar com a mulher e a criança.

Os três ficaram no banco de trás e ele, agradecendo mais uma vez disse para irmos para o Bairro Novo. Condomínio Nova Morada, rua cinco, número 72.

Eu nem ia cobrar, mas por força do hábito e em cumprimento à Lei, descobri e liguei o taxímetro.

O neném devia estar mesmo ruinzão porque não fazia nenhum som, nenhum sinal de vida.

Um bom tempo depois, consegui pegar um atalho por uma rua secundária e saí do engarrafamento.

As ruas estavam todas inundadas.

As bocas de lobo, entupidas pela sujeira que o pessoal deixa espalhada, não davam vazão ao extraordinário volume da chuva torrencial.

O casal no banco de trás vez por outra falava alguma coisa que eu não conseguia entender.

Quando saímos do centro da cidade, o homem encostou um revolver nas minhas costelas do lado direito e disse:

- Isso é um assalto, otário. Vamos para o jóquei.

Todo meu corpo foi tomado por um arrepio.

Eu não sabia o que fazer, nem o que dizer.

Mecanicamente continuei dirigindo até chegar junto ao muro alto que cerca toda pista de corrida dos cavalos.

- Entre nessa rua aí... Saia devagar e fique calado se não quiser morrer agora mesmo... Tire a roupa toda... Tênis e meia também...

Tira a cueca, rapá... Quer levar bala?

- Mas seu assaltante se eu for encontrado assim, pelado, na rua, vão me prender por atentado ao pudor.

- É bom mesmo para você deixar de ser otário.

A mulher disse:

- Com esse pintinho, encolhidinho de frio e de medo assim, ninguém vai notar que você está nu cara.

- Me dê pelo menos a toalha do neném para eu me enrolar. Deve ter outra na sacola dele.

- Que neném porra nenhuma otário, nunca viu um boneco? Na sacola tem muita pedra e coca, panaca.

- Dá a tua meia velha para ele usar como camisinha para não resfriar a biloquinha dele.

- Senhora, pelo amor de deus, ligue para o 190 e diga à polícia onde eu estou para eles me levarem para casa.

- Vai ser engraçado... Ser informante da polícia... Vou ligar do teu celular, otário do pintinho da cabeça vermelha.

O taxi sumiu no escuro da rua levando a minha feira, todo apurado do dia e eu fiquei junto ao muro do jóquei, tremendo de frio, até ser resgatado por um carro da polícia depois das dez da noite.