CRISTINA

Cristina

Maio de 1972. Em uma pequena cidade, numa rua qualquer, em uma modesta casa vivia um casal com seus filhos. Dentre estes, Cristina e eu éramos mais jovens.

2012, estação outono. As ruas arborizadas da cidade de Goiânia tinham suas calçadas cobertas por folhas amarelo avermelhadas.

Aos 53 ano,s estava eu debruçada no píer observando o lago que fica no bosque (belo lugar no centro da capital). Na noite anterior, reli um verso que Cristina escrevera naquele ano de 72, no Dia das Mães . O mundo ao meu redor por algumas breves horas transformou-se em minha volta.

Estava eu com 15 anos e cursava a mesma série de minha irmã Cristina, um ano mais nova. Não podia pagar admissão para cursar o ano seguinte, por isso tive que repetir a quarta série. No ano seguinte passei e fui cursar o ginásio com minha irmã em um colégio de freiras. Com pouca diferença de idade, discutíamos, descordávamos mas, principalmente compartilhávamos diversos sonhos e fantasias , principalmente em relação a garotos. Naquele sábado, véspera do Dia das Mães, eu tentava em vão dissuadir minha irmã a não participar de um piquenique patrocinado pela escola, que se realizaria na recém-descoberta cachoeira, ponto turístico da cidade. Seriam apenas duas turmas... a nossa seria uma delas...

- Se algo de ruim acontecer eles irão culpar você. - Dizia eu.

- Invejosa, você não pode ir, fica inventando coisa... Quem manda você ficar pulando o muro da escola, agora “guenta” o castigo. - Cristina ironizava.

Era verdade. Eu não suportava ficar dentro de sala de aula, mesmo assim eu tinha ótimas notas, jamais havia sido reprovada. Mas o coração estava angustiado. Não compreendia.

Eu e minhas primas, resolvemos que faríamos um almoço para nossas mães. Mais uma vez tentei convencer Cristina a ficar e nos, mas ela continuava irredutível. Seria “inveja”! Fui dormir na casa de minhas primas, mas eu me sentia péssima. Fomos deitar pois já era quase dez horas da noite, teríamos que acordar cedo para os preparativos do dia seguinte. Não tinha sono. Algo me perturbava. Um sentimento ruim que não conseguia definir. Ao colocar a cabeça no travesseiro, parecia que algo me sufocava e eu levantava rapidamente. Era como me faltasse o ar. Comecei a chorar, baixinho. Mesmo assim minha tia acordou , e zangada disse pra eu calar ou ir embora. Não podia ir uma hora daquela, assim mesmo levantei abri a porta da frente, ss postes da ruazinha estavam com suas luzes amarelas acesas, olhei para o céu, a lua estava cheia e redonda e inundava a pequena cidade com sua luz esmaecida. Junto com ela as estrelas tremeluziam no firmamento. Voltei para dentro da casa e adormeci. Antes mesmo do sol nascer levantei e fui até minha casa, aquela sensação de tristeza ainda pesava em meu coração. A porta da frente não estava trancada, aproximei do quarto da mamãe a cena que vi foi Cristina passando esmalte nos pés da mamãe. Ao .aproximar da cama apanhei um cartão que estava sob esta , havia também uma lembrancinha (que fora confeccionada dias antes nas aulas de arte) comecei a ler o cartão: "Quero viver ao seu lado, como até hoje eu vivi que Deus do céu adorado nunca te leve daqui.” Senti uma dor fina em meu peito. Devolvi para o mesmo lugar... não me lembrava por que não havia feito....Tentei por mais uma vez persuadi- la... Estava irredutível. Foi à missa. Depois do almoço ela encontraria com a turma. Mamãe iria até a casa da vovó cumprimentá-la. Quando ela voltasse Cristina por certo já teria ido. Olhou-nos, parecia que iria dizer algo no entanto nos abraçou. Seu olhar fixou em Cristina: "cuidado” - disse por fim e com um sorriso triste saiu fechando a porta atrás de si.

Cristina fez um almoço bem simples . Na sacola de lanche encontrava-se um refrigerante, bolacha salgada, doce e banana da terra... Vestiu um maiô vermelho. Aos 14 anos tinha um lindo corpo de menina-moça , sua pele alva, mais clara que a minha contrastava com seus cabelos negros e lisos. Na hora de ela sair, eu a dedurei para minha imã mais velha. Contei que ela estaria levando escondido o estojo que esta havia ganhado do namorado, portanto ela não pôde levá-los. Com raiva jogou tudo sobre mim. Enquanto saía pelo do portão do quintal, olhou-me zangada e disse: "In-Ve-Jo-Sa!" - Fez uma careta e por fim jogou por último um espelho e se foi. O espelho caiu num rego d’água que havia no quintal. Fui apanhá-lo. Debaixo daquela água cristalina o pequeno espelho refletia o céu azul, e um pensamento veio em minha mente: dois V: “Vai e Volta”!

Aquele mês de maio de um mil e novecentos e setenta e dois... Cristina saira para um piquenique e voltara morta! Afogara-se na cachoeira. Como?? Não sabemos... No ano de 2012 , maio, próximo a mais um Dia das Mães, na estação de outono, época em que a terra adormece para preparar o renascimento de novos brotos, em mais um momento solitário o passado mais uma vez ressurge... Uma criança chama o pai efusivamente para ver um peixe grande que nada tranquilamente próximo ao píer... e o mundo ao meu redor entra em movimento.

Júnia Marx
Enviado por Júnia Marx em 08/11/2012
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