Tragédia anunciada?!
Estavam eles correndo pelas vielas da favela. Pequenas passagens de terra batida, entre barracos de madeira, papelão, latas ou quaisquer outros objetos que pudessem ser utilizados para a construção. Dois meninos. Duas crianças correndo. Correndo com armas em punho.
De repente, são surpreendidos por dois policiais que sobem pela favela. Nervosos. Ansiosos. Preocupados. Afinal, o terreno é hostil. Apesar de estarem ali para protegerem a comunidade do tráfico local, que impõe regras violentas aos que não se sujeitam a eles. São vistos com desconfiança pelos pobres moradores, que por vezes, ou melhor, na maioria das vezes preferem ajudar o tráfico. Por medo. Desespero. Por falta de fé. Falta de fé nas leis. Na justiça. Por falta de fé na policia que, tão logo se vai, os bandidos voltam a dominar e a trazer o terror aos pobres moradores.
Os meninos passam correndo pelos policiais sem aos menos perceber a presença deles. Correm feitos loucos. Atrás não se sabe do que. Não se sabe de quem. Somente correm, segurando suas armas.
Os policiais, ao verem os meninos, saem atrás.
Meu Deus! - pensa um dos policiais – São crianças. Pequenas criaturas. Pequenos anjos, com armas em punho. Meu Deus! Meu Deus! Hesita. Por um momento, não sabe o que fazer. Não sabe se deve cumprir seu dever, ou se deve ignorar a situação. Afinal são crianças. Inocentes, aliciados pela maldade humana. Inocentes, miseráveis lutando para viver a seu modo. Do jeito que a vida lhes impõe. Do jeito que Deus quer. Ou, a vida quer. E se eles atirarem? Terei coragem de revidar? - sua cabeça não para de pensar um só minuto – Terei coragem de atirar contra essas pequenas criaturas? A situação é tensa. A ansiedade e o medo aumentam gradativamente. Será uma armadilha? Será que estão em um caminho sem volta? Mas... Mas... São só crianças... Talvez, talvez só estejam... Deixa pra lá... – ele procura abandonar os pensamentos que o assombram continuando a perseguir as pobres criaturas, por entre as vielas.
Os meninos correm sem se darem conta de que estão sendo perseguidos pelos policiais. Pulam os buracos cheios de esgoto, de sujeira, de restos de comida e lixo. Naquela terra onde os estado se esqueceu, correm, correm, correm sem se darem conta do que realmente esta acontecendo. Correm em busca do nada. Em busca de tudo. Ou simplesmente correm para esquecer a penúria, a miséria em que vivem. Correm se olhar para trás.
De repente chegam a um beco sem saída. Um dos meninos aponta a arma para o outro, que, sem ter para onde correr, vira-se e levanta a mão. Os policiais param a uma certa distância, não acreditam no que vêem.
“Meu Deus!” “O que esta acontecendo?””Eles... Eles vão se matar.”
Então antes que a tragédia anunciada se concretizasse, ele grita:
- Não faça isso! Ou eu... – Ele não sabe o que fazer. Não sabe, se, tem coragem de puxar aquele gatilho. Só sabe que tem que fazer algo. Procura demonstrar frieza. Coragem, no entanto não tem certeza que esta sendo convincente. Olha para o seu parceiro, e vê, o horror em seus olhos. Vê ele suando em bicas. Sofrendo com aquela situação incomum. Anos de trabalho, vivendo em situações limites. Sendo testemunhas das mais absurdas e cruéis situações. Naquele momento não sabem o que fazer. O medo é palpável. A insegurança, real. Se fosse possível, virariam as costas e iriam embora, sem olhar para trás. Mas não havia escolhas. – Joguem as armas no chão – continuou.
Os meninos, ao verem as figuras dos policiais logo atrás deles, apontando-lhes as armas, entraram em choque. Jogando as armas no chão, se abraçam e se encolheram chorando. Desesperados. Amedrontados.
- Por favor, não nos matem- grita um deles – nós não estamos... – O policial se abaixa e pega as armas –... Nós não estamos fazendo nada... – armas de brinquedo – Só estamos brincando. Só brincando.
Naquele momento os policiais sorriram. Como nunca. Como nunca.
Marc Souz (escritor)