MALDADE

MALDADE

Nasceu má. Nasceu má, pelo dito mau caráter. Não era a sua personalidade que seria disforme. Era seu caráter. Um absoluto desprezo pelo que não fosse de sua posse, num egocentrismo insano, sua maldade era escondida sob uma capa de gentileza que, ao longo do tempo se percebia rançosa e cheia de espinhos que te cutucavam devagar. Rica. Fazia disso sua bandeira, imperceptivelmente o olhar se transmutava em desprezo amarelado e viscoso quando via alguém de poucas posses que pudesse mandar, governar. Sua má vontade para com o próximo talvez derivasse de seu ressentimento contra a vida, uma gordura mental incomoda, personalidade assaltante, uma tentativa constante de governar filhos, netos, marido, num ciciar de mãe acolhedora que não convencia. Talvez fosse o olhar. Um olhar apertado, fechado para a compaixão, para o amor. E esclarecia num suposto ímpeto de boa vontade, amor era para sua família, para os seus, quando de sua suposta solidariedade ao próximo, o preço a pagar era caro. Havia nela um sarcasmo malcheiroso, encapado por frases de suposto bom humor num prazer mórbido em achincalhar alguém quando se via acuada por alguma qualidade de outrem. Ninguém poderia brilhar mais do que ela -se isso acontecia batia com força na luz do próximo até transformá-la numa massa disforme, nessa hora seus olhos se tornavam vigilantes e como imensa cobra, atacava o incauto, ou adotava uma postura distante de imperatriz, obrigando aos mais humildes ou amedrontados a lhe fazer a corte sem cessar, que belo vestido, como você está bonita, e ela engolia avidamente os elogios uma enorme boca que tudo devorava. Estranho mesmo quando chegava em qualquer lugar, era como se as flores murchassem, o ar se tornasse num de repente, irrespirável, os animais se escondessem, a natureza se encolhesse tristonha; como detestasse, o item era sugerido para todos , todos os deveriam detestar, todos deveriam comer o que indicasse, todos deveriam comungar de suas ideias, esplanadas com sua voz monótona e compassada. E não que se indispusesse diretamente com as pessoas; não, caminhava de mansinho, nas sombras, pelos becos mais imundos com suas armas toscas da inveja e do ciúme; alguns percebiam seu comportamento; outros não. Assim viveu e vive – Feliz? Não, por certo. Mas, conto a história porque é bizarra e triste. Talvez se possa entender algo dela. Talvez.

Vosmecê

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 31/10/2012
Reeditado em 12/11/2012
Código do texto: T3961221
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