Olhos Abertos
A sirene bradou alto espalhando-se por todos os cantos do colégio, mas não foi mais alto quanto aquela menina magra e espinhenta que proferiu a palavra mágica:
“Briga!”
E todos se levantaram de seus lugares e correram para o corredor onde já era formada a nuvem de gente. Eu queria tanto permanecer sentado, mas não podia. Sou representante de classe. E aquelas duas figuras grunhindo emboladas no chão eram da minha classe.
A mão de uma foi na cara da outra e o tapa ficou ecoando como se fantasmas se esbofeteassem entre nós, alunos. A outra tentou reagir, mas estava por baixo, e de lá não podia fazer nada se não sentir a pele do rosto queimar e a raiz dos cabelos ardendo enquanto eles eram puxados.
“Chamo a diretora?” Lucinha, uma bajuladora, me perguntou.
“Enquanto uma das duas não morrer, isso não é problema dela, nem nosso” respondi, com o meu habitual humor que não faz rir.
A garota que estava embaixo conseguiu girar o corpo e ficar no controle da situação.
Briga de menina tem essa vantagem: o espetáculo dura mais. Quando caras brigam, basta um soco e alguém desmaia. Não tem nem graça.
Agora ela acertou um golpe marcial na outra. Deve ter aprendido com o namorado, nem eu sei bater daquela maneira. O rosto da vítima se voltou para o lado na velocidade do seu urro de dor, e o sangue espirrou do lábio na minha camisa.
Filha da mãe! A minha camisa é branca! Ela não sabe como é difícil tirar mancha de sangue de camisa branca!?!
Um nome escapou da boca das duas: Hugo. Certamente ele era a razão da briga. Devia ser o namorado secreto de uma delas, ou das duas. Não que os pais das garotas as proibisse de namorar, elas é que preferiam que fosse escondido, para se sentirem num romance.
O nome do garoto foi emitido outra vez, ele estava do outro lado da rodinha, assistindo a tudo assim como eu, e não fez nada para impedir, mesmo com dezenas de rostos voltados em sua direção.
Agora a coisa estava ficando séria, a garota que estava por baixo tinha um anel com um brilhante na ponta, até então essa pedra estava voltada para a palma da mão, mas agora que esta menina voltou a ter o comando da batalha, fez questão de girar a joia e afundá-la na bochecha da sua inimiga com gosto. O sangue escorria da pele até o chão.
Em volta, dezenas de aparelhos celulares filmando tudo. Amanhã seria notícia de telejornal. Os berros não eram mais das duas e sim do povo em volta, que incentivava a garota a cada soco.
Eu permaneci calado. Não queria me envolver interferindo na briga, mas também me envolveria se impulsionasse.
A menina que apanhava parou de reagir, mas continuou com os olhos abertos, voltada para a sua algoz, só servindo como evidencia de que ainda não estava desmaiada.
Socos. Palavrões. “O Hugo é meu!”. Socos.
Eu percebi, antes de todos, que a briga já devia ter acabado. E demorou algum tempo até que a dona do anel se desse conta disso também e se levantasse dali, ou apenas cansou de bater. Saiu do corredor pela ala que os alunos abriram para ela.
Ficamos olhando para a outra jogada no chão. Os olhos abertos não deviam ser considerados prova de nada. Ainda agora eles continuavam abertos. Bem abertos.
“Ei, Lucinha, venha cá” pedi, e ela obedeceu prontamente. “Agora sim vá chamar a diretora... e diga a ela para não esquecer de trazer uns esfregões e alguns daqueles sacos de lixo extra-fortes.”
Dessa vez não foi piada. Ninguém riu.
Voltamos para a sala, era dia de revisão.