UMA VALSA PARA LUIZA

Mariana acordou cedo naquele sábado de céu azul e lentamente ensolarado. Logo o aroma do café despertou a pequena Luiza. Elas moravam num bairro antigo na pequena vila de Tabocas. A casa era simples, mas, ainda tinha toda a estrutura de casas do século passado.

Aquele sábado era um sábado diferente, Luiza estava completando dez anos de idade e ganharia um presente que ela sempre desejava, no entanto, por muito tempo havia esquecido esse desejo de criança inocente.

Mariana colocou o café na xícara, o leite e pão dormido com leves passadas de manteiga. A mãe observava a filha com ternura no olhar e saudade de quando estava em seus braços coberta por um mantinho rosa de crochê. Uma tímida lágrima queria tecer pelo rosto rosado de Mariana.

- Filha. Hoje você vai ganhar um presente que muito queria. – Mariana dizia com a voz trêmula de emoção e receio.

- Posso saber, mamãe, agora.

Mariana olhou bem para os olhinhos negros de Luiza. O rostinho redondo, os cabelos negros e cacheados e os olhos brilhavam enquanto bebia seu café com leite.

Naquele dia a mãe apresentaria o pai que nunca a filha conheceu.

Jordão era um professor de dança e boêmio. Conheceu a jovem Mariana numa dessas aulas de valsa. As tardes de domingo na vila de Tabocas e na cidade de São Pedro da Porta Aberta eram de festas para tirar o povo do cansaço das fazendas de cacau. Ela dançou por horas com aquele rapaz de roupa de brim bem alva, cabelos negros para trás e uma lábia de malandro carioca que viera para a cidade pequena ganhar dinheiro com a dança e ganhar as garotas com as paqueras.

Ela ainda estudava no Liceu Machado de Assis quando ficou grávida de Jordão. A família colocou-a para fora de casa, o pai a tirou do testamento e a mãe morreu de sofrimento por tudo que passou. Mariana criou a pequena filha trabalhando na casa das suas ex-colegas como empregada e ganhou por herança da mãe a casa que mora. As irmãs dela jamais conheceu a sobrinha e nunca mais ela viu o pai. Ao saber que estava grávida fugiu de Jordão, e agora quando completa dez anos a filha recebe de presente o tão sonhado desejo de conhecer o pai.

- Você , meu amor, vai conhecer hoje o seu pai. – quando terminou de falar Luiza saiu da cadeira e abraçou forte a mãe e ambas começaram a chorar.

Jordão morava num hotel no centro de São Pedro da Porta Aberta. Vivia como sempre viveu, solteiro, dando aulas de dança e namorando todas: viúvas, casadas, solteiras, virgens. O homem era perigoso. Naquele sábado ele estava se preparando para mais um dia de trabalho duro, a boemia e as valsas vienenses que ele conduzia com maestria as damas da cidade.

De todos os pecados que ele praticava apenas dois lhe podia ser descartado de sua vida, não fumava e nem bebia, era um boêmio sóbrio.

Mariana e Luiza entraram no ônibus e partiram para entregar o especial presente que poderia mudar os destinos das duas e talvez do malandro Jordão.

As duas chegaram uma hora depois e ficaram na praça central da cidade em frente ao hotel. Um sorveteiro chegou perto e se deliciavam com o sorvete de morango e chocolate. Jordão se arrumava para sair pelas ruas à procura de aventuras; Mariana, sabendo que o pai da menina morava ali no Imperial Hotel, estava mais ansiosa que a filha. Olhava muito para trás na precisão de ver primeiro, sem surpresas o moço que a desvirginou e ela envergonhada com tudo aquilo não quis conviver com ele, sabendo que jamais seria a única.

Os corações das duas palpitavam bastante. Luiza se lambujava com o sorvete de chocolate. O dia estava muito bonito, o céu bem azul, a tarde fresca de outono. Jordão desceu as escadas do hotel, e penteava os cabelos com brilhantina e passava no bigodinho de malandro que era. Falou com o portuga na recepção e foi atravessando a rua em direção ao jardim. Mariana atenciosa com a filha não percebeu a saída dele e num rompante algo aconteceu: Jordão foi parado por um homem alto montado a cavalo, se olharam, logo Jordão percebeu que aquele homem era conhecido, esposo de uma das suas aventuras. O cidadão tirou na cintura um revólver, Jordão pensava em correr mas ficou estático, sem noção do que fazer e quando Mariana tomava a última colherada de sorvete ouvia dois tiros surdos vindos do meio da rua. Luiza deixou o sorvete cair ao chão, Mariana levantou e viu um cidadão todo ensanguentado enquanto o assassino covardemente galopava pelas ruas até sumir numa das esquinas.

Em poucos segundos a rua em frente ao hotel se encheu de pessoas assustadas e curiosas. Mariana pegou a filha pelas mãos e foi entrando no meio da pequena multidão e ao deparar com o corpo de Jordão vestido de brim branco ensopado de sangue a única palavra que ela disse foi:

- Filha, este é o seu pai.

Luciano Cordier Hirs
Enviado por Luciano Cordier Hirs em 30/10/2012
Reeditado em 09/06/2015
Código do texto: T3959748
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