Bart(h)olomeu
Em uma repartição pública da capital do Ceará, dois jovens recém-formados buscavam, frequentemente, informações gerais e específicas para resolver alguns problemas de outra instituição pública, recém-formada, sendo esta localizada num município distante, fora da região metropolitana.
Ele, arquiteto. Na academia era pesquisador e trabalhava num laboratório analisando o conforto ambiental das habitações populares. Ela, engenheira. Trabalhou na universidade com projetos de sistemas de abastecimento de água.
- Qual é a nossa missão de hoje? – perguntou o arquiteto.
- Saber que traço de concreto eles usaram na construção das escolas de Messejana. Semana passada eu estive aqui e ele ficou de me passar essa informação. Marcou pra ontem só que não pude vir.
- Por que?
- Ontem a gente teve que visitar aquele padre, lembra?
- Ah, o dono da maior parte das terras do nosso município…
- É. E foi justamente no dia deste compromisso.
- Maldito padre!
- Maldito? A pior maldição é uma benção pr’aquele velho escroto. Pedófilo! Agora só falta o Doutor Bartolomeu se indignar com a nossa visita tardia…
- Bartholomeu? Ah, o Professor Bartholomeu eu conheço, é meu amigo. Fui aluno dele na universidade… ele me chamava de anarquista, pela minha atenção dobrada quando projetava casas populares. Eu sempre procurava locar as habitações levando em conta a direção dos ventos, do sol… o plantio de árvores. Pra ele pobre não tem “querer”; achava desperdício de tempo essas preocupações. Ele é um senhor de cabelos grisalhos, olhos claros…
- Esse mesmo!
A recepcionista interrompeu a conversa dos jovens para avisar que o Doutor Bartolomeu não podia providenciar as informações, pelo fato da engenheira não ter ido no dia anterior, devendo voltar na segunda-feira. O arquiteto virou-se para a recepcionista e disse:
- Eu queria dar uma palavrinha com o Doutor Bartholomeu. Diga que é João Paulo, da universidade.
A recepcionista falou com seu chefe e o arquiteto entrou na sala. A engenheira acompanhou-o.
- Eu não disse pra você vir ontem? Hoje não tenho ninguém pra te dar essa informação! – disse o Doutor Bartolomeu.
- Mas…
- Mas o que? Só volte aqui segunda-feira. Só segunda que tem gente que pode te responder!
- Mas Doutor Bartolomeu, eu não entrei aqui pra falar sobre isso, só estou acompanhando esse rapaz…
O Doutor Bartolomeu olhou para o arquiteto de cima até lá embaixo, fez cara de reprovação e falou:
- Diga logo o que você quer rapaz… já está quase na hora do almoço!
- Bem… queria saber se nesta repartição tem algum técnico que trabalha com monitoramento dos ventos.
- O que você quer afinal?
- Queria saber se existe algum monitoramento na minha cidade…
- O que você deve fazer é enviar um ofício da sua repartição pra cá, encaminhando seu pedido para o superintendente desta repartição. Daí o superintendente enviará pra sua cidade o estudo que o senhor deseja.
- Tudo bem, doutor… o ofício será encaminhado.
Os jovens saíram cabisbaixos daquela repartição. Já longe, a engenheira perguntou:
- João Paulo, por que na sala do Doutor Bartolomeu você ficou praticamente imóvel por alguns segundos?
- Eu não sabia o que perguntar pr’aquele homem. Ele não foi meu professor. Nem conheço o traste! Entrei na sala pra falar com um conhecido e dei de cara com uma criatura antipática… nem sabia o que fazer na hora, daí tive que inventar aquela história dos ventos. Meu professor foi o Bartholomeu com “h”; aquele nem “h” tinha…
- Não acredito não! E você fez com que eu pagasse esse mico?
- Como eu poderia imaginar que existisse dois Bart(h)olomeus na mesma repartição? Se fosse José, Francisco ou até mesmo João, tudo bem, tem um monte… mas Bart(h)olomeu? Pior fui eu que tomei um susto ao ver que ele não era o meu antigo professor…
- Ô história escabrosa! Recém-formado sofre.
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Escrito em mar - 3 - 2005