Andando pela contramão
A alegria estava transbordando naquele olhar. Olhar de criança, de algo novo… desconhecido… embora já soubesse do resultado. Tudo bem que ele tinha o costume de andar pela contramão, preferindo trilhar caminhos não explorados que manter o status quo, mas aquilo realmente era algo muito especial – pelo menos para ele, é claro!
Há um certo tempo procurava pelas ruas da cidade aquela antigüidade. Raramente encontrava e, quando fazia, o preço era aquém da sua realidade. Ele continuou sua saga em busca daquele objeto singular.
Numa de suas viagens em busca de equalizar a vida, encontrou aquele que seria seu companheiro por um bom tempo. Estava lá sem uso, o destino seria uma casa mais humilde que dificilmente iria usá-lo, já que as outras partes do todo eram mais modernas e interessantes para a maioria das pessoas, menos para ele.
Com aquela cara de cachorro abandonado, perdido no meio da multidão, fez-se entender que aquele objeto era de seu interesse. De prontidão foi-lhe dado todas as partes daquele Gradiente 5 em 1. Ele não quis tudo, apenas a pequena parte que ficava mais acima: a radiola.
Quando voltou para a capital, notou que o seu moderno som não tinha como acoplar o toca-discos. Levou no seu fiel técnico de gambiarras de tv-pc-microondas-som-e-tudo-o-que-tem-circuito, no sentido de que fosse possível um jeitinho brasileiro pra interligar um som de última geração com uma caquética radiola há muito tempo sem funcionar.
Uma semana depois, o técnico de gambiarras ligou dizendo que estava tudo ok, rindo daquela situação: por pra funcionar uma radiola em tempos de CD e DVD.
Com o toca-discos em casa, ele limpou uns quinze LP’s que tinha ganho antes de conseguir a radiola, juntamente com 25 discos emprestados de sua fiel e escudeira tia que curtia Raul Seixas e toda a cambada da MPB das antigas.
Tudo estava limpo, no jeito. Ele pegou um disco de um conterrâneo seu, Belchior, e cantarolou pela noite que saíssem do seu caminho, ele preferia andar sozinho, deixando que ele decidisse a sua vida… não precisando que lhe dissessem de que lado nasce o sol…”.
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Escrito em mar - 23 - 2005