Faro de tristeza
Deitadão naquela rede de sempre, pensava sobre os últimos acontecimentos de sua estadia neste mundo cruel. Melancolia, depressão, exagero… uma vontade imensa de mudança: outras terras, outras vivências, outras…
Fechava os olhos e abria-os, sem conseguir dormir. Aquela tarde estava agradável, nublado, chovendo de vez em quando. Nem a chuva conseguia presenteá-lo com um cochilo. É, ele só queria cochilar. Se dormisse de tarde, de noite não conseguiria. E não tinha mais saco de passar a noite navegando virtualmente, esse legado deixava para os adolescentes de plantão.
Um pulo. Simples e perfeito. De mansinho aquela figura pitoresca aproximava-se. Cada vez mais perto, sem fazer barulho. Sem pedir, deitou-se na barriga dele. Dormiu sobre aquele gigante que nem conseguia cochilar. Ele ficou alisando a cabeça dela e teve um instante de felicidade, até voltar a pensar nos problemas…
A noite ensaiava sua entrada e a cena singela ainda continuava. Ele queria levantar pra virar o disco, o lado B do vinil tinha mais músicas de dor-de-cotovelo que o lado A. Tinha desejo de ouvir Jair Rodrigues e não podia sair dali.
De supetão, outro pulo. Como no início, estava mais uma vez só. A gata siamesa acordou com o canto dos pássaros, na vontade de saborear um deles. Ela nem teve chance e foi comer sua deplorável ração. E ele… mudou o LP, deitou-se outra vez para pensar na vida e viu que a gatinha tinha faro de tristeza…
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Escrito em mar - 24 - 2005