A SEREIA DA BARRACA

Naquela recém chegada manhã de baixa temporada e que já fervia sob o sol que acabara de nascer, seguíamos sobre a balsa que balançava pelo mar, alvejada pelo vento quente que nos soprava em direção a uma ilha do litoral norte de São Paulo.

Lá para tantas do quase meio dia, embora ainda inverno, era impossível se caminhar pela praia sob aquele forte calor que já registrava quarenta e dois graus.

Então,as pessoas se acomodavam pelas barracas, naqueles restaurantes de praia, a procura dum chuveiro doce, duma loirinha bem gelada, duma fresca água mineral ou de coco ou mesmo duma brisa "un passant" que descuidadamente corresse por ali, embora naquela hora de ar estagnado apenas vez ou outra nos sopravam os bolsões dum vento fervente, nada refrescante, que vinham do oceano.

Algo impressionante de se sentir...

De fato, o calor ali estava de estourar os miolos, mesmo os dos ilhéus já acostumados ao clima quente da região.

Foi quando ela, acompanhada de três crianças obesas e pequenas, algo entre dois, quatro e cinco anos, passou por nós e montou seu guarda sol logo ali nos arredores daquele restaurante de praia, já quase sob o sol das treze horas.

"Ô mãe, monta a gente ali perto da piscininha de mar, mãe"-disse o menino do meio já com a bola de futebol na mão.

"Ah não, quero fazer castelo de areia aqui!" disse o menorzinho.

" E eu quero tomar sol com a minha Barbie", disse a menina maior.

De súbito ela despejou da bolsa de praia todos os apetrechos infantis na areia, colocou seu gigante óculos de sol, expôs sua tatuagem de sereia próxima às nádegas volumosas, e depois esticou seu imenso abdômen na cadeira de sol a mirar para o mar aberto sem lhes mencionar uma palavra sequer.

Aos poucos as crianças se ajeitaram, enquanto ela degustava sua primeira dentre tantas cervejas da moda que ali lhe chegariam.

"ô mãe você não passou o filtro na gente..."-sugestão que não foi sequer ouvida.

Passada mais ou menos uma hora de sol a pino as crianças sentiram fome e sede e o cardápio de todos foi de batata e mandioca fritas, uma porção de Bacon esturricada acompanhada de Coca Cola Light com sorvete de palito.

"Ô mãe, agora vamos nadar lá no mar"?

"Agora vou ler minha revista"- foi a primeira vez que manifestou sua vontade absoluta em voz audível...em alto tom.

Uffa, senti um certo alívio por ela recusar o mar, mas confesso, fiquei super interessada no assunto que avidamente aquela sereia engolia sem sequer piscar os olhos, todavia não fiz esforço algum para obter a tão rápida e previsível informação:

"Esse é o Tufão da novela, né mãe? apontou o menino do meio com o indicador esticado para a revista falando com a boca cheia de batatas e ketchup...

"É ele sim!" confirmou o menorzinho. Ele vai matar a Carminha, né mãe?

"E a Carminha foi embora porque brigou com o Max na fotografia, não foi mãe?"-completou a menina.

Quase quinze horas e ali ela havia cansado do seu capítulo da vida: levantou com certo esforço, algo cambaleante, pagou a conta, desarmou o guarda sol, catou os objetos da areia, e quase muda saiu dali puxando as crianças como se esticasse um cordão humano...

"Vamos logo que já está tarde"- laconicamente discursou.

As crianças " em descascados pimentões vermelhos " logo reclamaram em côro:

"Ai mãe, não puxa, tamo tudo ardendo...e nem nadamo..."

Nota: verídico.