Aos ponteiros de Vilma
Minha avó sempre diz: Aqui na roça só funciona o horário de deus! Como que eu vô explicá pras minha galinha que é pra ir empuleirá pra durmi uma hora mais cedo do horário que ela ta acostumada a vida inteira? E pras vaca? Eu vô falá o que pra elas? Pra dar leite mais cedo? Não dá certo não. Não adianta nem cismá com essa bobajada de ponteiro adiantado.
É assim que ela se explica sempre que alguém pergunta por que não muda a hora do único relógio existente na casa. A engrenagem fica lá, grudada na parede da cozinha. Seus ponteiros nem sonham em saber o que é o tal horário de verão.
Lá na roça todos são despertados às cinco da matina com o barulho do café sendo moído pela vó. Ás seis da matina todos já estão na lida do curral. O almoço é servido entre nove e meia, dez horas. O café da tarde, entre às treze quatorze. E a janta? Às cinco e meia da tarde. Nada muda no horário de verão. O sol pode estar se arrebentando em mamona, mas a janta deve seguir o horário de deus. E a vida permanece a mesma para os homens, vacas, passarinhos, galinhas, horta de couve...
Lá a vida vive a parte de convenções mundanas, ritmos, jeito de falar e lidar com seus semelhantes. Cuidam de seus animais com a naturalidade e carinho que ainda hão de caber em todos na terra. A Vó diz que a vida é uma roda. Tem que rodar equilibrada. Tem que rodar certo igual ao relógio. Não dá pra ficar adiantando e atrasando quando a gente quer.
Três Corações, 23 de Outubro, tarde da noite.