O RIO DAS PEDRAS
Pela trilha de terra, Doroti, seguia. Trouxa de roupa na cabeça, três filhos a lhe agarrar o rabo da saia de chita surrada. Um bebê nos braços, e outro crescendo em suas entranhas. Por vezes mais parecia uma fábrica de fazer crianças, do que uma mulher.
Caminhava a passos cansados para o leito do rio de pedras. O sol alto e quente, lhe fazia escorrer gotas de suor pelo rosto macerado pela exaustão da labuta.
As margens do rio, pousou o filho pequenino, debaixo de uma frondosa árvore, aos outros três, recomendou cuidado, pois nenhum deles sabia nadar, e as águas eram profundas e perigosas.
Tirou a grande trouxa de roupa da cabeça e devagar desatou o nó. Saltaram do imenso volume, as gastas e simples roupas que a família possuía.
Começou a separar as peças, e com carinho passou a mão por entre os pontos de um lençol feito de alvo algodão. Ali, as inicias dela e de seu marido, foram carinhosamente bordadas por ela. Lembrou-se de um tempo, onde ainda havia espaço para os sonhos, de uma menina moça, que só conhecia da vida, o trabalho, a pobreza, e a dificuldade.
Sem mãe, desde os sete anos de idade, enfrentou a dura realidade da solidão. O pai, saia cedo para capinar a roça, e somente voltava com o sol se despedindo do dia. Cedo aprendeu a lavar, passar, cozinhar, limpar, e a ouvir as reclamações do pai, sempre calada.
Aos quatorze anos, casou-se com Eucrides, e nos poucos meses de namoro, sonhou que com ele a vida seria diferente.
Seus dedos correram devagar sobre o pano gasto e macio, e descansaram sobre as inicias ED. Lágrimas mornas correram de seus olhos doces e tristes. Eucrides, era tão grosseiro e mandão, quanto fora seu pai.
O filho que crescia em seu ventre, seria o quinto, e ela nem vinte primaveras completara.
Os folguedos das crianças, a trouxeram de volta a realidade. E seu olhar passeou pelos rostinhos sem cor de seus filhinhos, e o amor imenso que nutria por cada um deles, fez seu coração se incediar por um calor imenso. Não havia muita comida, para dar a eles. Seu leite os alimentava, e nunca chegara a secar, desde que o primeiro nascera até agora, pois antes que o leite secasse, ela, já estava grávida de outro.
Chegara a amamentar dois deles de cada vez, suprindo a falta de alimento na pobre choupana que moravam.
Enquanto passava a barra de sabão de cinzas feito em casa, em cada peça de roupa, deixava que as lágrimas corressem livres, parece que elas tinham pressa de libertar-se da tristeza que as aprisionava, e ansiavam misturarem-se as águas calmas do imenso rio.
Doroti, gostava de vir lavar as roupas, era a hora em que dava livre curso as lembranças e ao pranto.
Na dura tarefa de ensaboar e esfregar as roupas nas pedras do rio, curvada sobre si mesma, de joelhos, ela sentiu quando a nova vida em seu ventre, mexeu suavemente, como se lhe beijasse a parede do útero.
Com as mãos molhadas, afagou com carinho a barriga volumosa, e cantou com voz suave, linda cantiga de ninar, que um dia ouviu a mãe cantar para ela.
Ao final, repetiu baixinho: "fique tranquilo, eu vou cuidar de você com amor, nem que tenha que te dar a última gota do leite que verte de meus seios, e com ela a minha vida".
(Foto do Rio "Tancão" da minha vila de infância)