Gafanhotos pastando no mar de lama
Rosana morava num cubículo no Largo do Arouche junto com Joe, um Bull Terrier. Em qualquer posição que se possa imaginar ele era maior que ela. Fortunato esperava por algum sexo, alguma bebida e com sorte uma cama para dormir até a manhã seguinte. Os dois vinham caminhando pelo Viaduto do Chá. Tinham acabado de ser expulsos de um bar perto da Consolação. Já estavam andando sem direção a pelo menos meia hora. Decidiram ir para o cubículo.
- Já te falei sobre o Joe? - começou ela.
- Joe? - respondeu ele de supetão, intrigado.
- Sim, é um Bull Terrier que mora comigo. - disse ela banalmente.
- Você tem um Bull Terrier na sua quitinete? - perguntou ele assustado.
- Não. Divido uma quitinete com o Joe. - explicou ela num tom de desdém.
- Mas ele é bravo? - continuou ele num tom de dúvida.
- As vezes. Hoje não. - disse ela sem se importar muito com o questionário.
Os dois pararam num bar. Compraram três latas de cerveja e um corote de pinga e seguiram no rumo.
- Não me sobrou muita coisa depois desta. - soltou ele. Rosana parou.
- Você não tem dinheiro e quer transar? Isso não vai dar certo. - sentenciou ela.
- Não...Não é isso. - Fortunato se assustou de novo.
- Então você tem dinheiro? - encurralou ela.
- Não muito. - falou ele um pouco baixo.
- Acho que vai ser o suficiente. - disse ela e voltou a andar. Ele se postou a seu lado quieto.
Quando eles entraram no cubículo Joe estava na cama. Ele levantou a cabeça, olhou para os dois, abaixou e se espreguiçou. Ficou maior que a cama.
- Vamos ter que transar no banheiro. - disse ela como que um comunicado.
- Você não vai prender ele? É muito grande! - ele estava apavorado.
- Ele só me quer quando estou “naqueles dias”, mas é melhor não fazer muito barulho. Pode parecer provocação. Vamos... - disse ela, no comando.
Saíram do banheiro em quinze minutos. Joe tinha levantado da cama e estava na frente da TV ligada, com duas tijelas vazias. Rosana pegou uma lata de cerveja e esvaziou em uma, na outra colocou duas mãozadas de ração com amendoim. Ele lambeu a perna dela, que fez um cafuné em sua cabeça e sorriu.
Fortunato não conseguia se sentir confortável. Parecia que o cão do inferno o observava pelo reflexo da televisão. Joe se pôs de pé, olhou sem interesse para os dois sentados na mesa e voltou para cama. Depois de um tempo ele levantou e foi ao banheiro. A porta se fechou. O barulho do mijo na água. Então a descarga. Fortunato suava frio. Rosana foi até a cozinha. Ele colocou uma nota de vinte na mesa e saiu nas pontas dos pés. Escutou a porta do banheiro abrir. Quando viu a rua começou a correr.