MÃE E FILHA À JANELA

A chuva de verão caía com força sobre o chão de terra batido, escorrendo pela valeta que há anos se formara, delineando um caminho. A menina que estava à janela com sua mãe, olhava a água que corria, imaginando riachos. Via as gotas que se acumulavam nas folhas e galhos do pessegueiro, e pendiam pesadas, até que caíam, não aguentando mais. Ela também olhava a rua e os carros que passavam, e imaginava estar dentro de um deles, em viagem, indo a algum lugar encantado bem longe dalí. Mas logo voltava para seu quintal, o mundo limitado e seguro do seu quintal molhado de chuva, o mundo em miniatura que ela via da janela de seu quarto, um mundo de pedras e musgos que ela chamava de floresta, um mundo cheio de poças de água que ela chamava de rios, e de formigas que ela chamava de monstros.

Ao seu lado, a mãe olhava a chuva e via outras coisas: pensava na juventude que escorria pela sua pele e ia-se embora em valas, como as valas que conduziam a água da chuva escadaria abaixo; pensava em seus sonhos que se afogaram ao longo dos anos, e olhando as casas vizinhas, pensava no quanto elas eram maiores e melhores que a sua. "Talvez, se eu tivesse me casado com meu primeiro namorado, aquele do terno listrado..." Mas era tarde demais. Pelo menos, era assim que ela pensava: não tinha mais direito de sonhar, já que tinha filhos a criar, jantares e almoços a preparar, assoalhos para encerar e e lustrar... sem falar das roupas da família, que tinham descascado todo o esmalte de suas unhas.

Alheia, a menina sonhava com mundos encantados de contos de fadas, e a mãe, também alheia, sonhava com realidades desencantadas de si mesma. Embora tão próximas que seus cotovelos se esbarravam, ambas estavam bem longe uma da outra.

A menina de repente aponta para o pessegueiro, onde um passarinho esquisito acaba de pousar, chamando a mãe para dentro de seu mundo. Comenta sobre as nuvens cinzentas e pesadas que encobrem o céu, e no quanto elas são bonitas. Ao contrário das outras crianças, esta menina adorava tempestades. Sorrindo, ela propõe à mãe: "Vamos brincar de carro? O primeiro que passar é meu, e o outro, é seu!" E durante algum tempo, elas se distraem nessa brincadeira.

Quando a chuva finalmente pára, dando lugar a um por-de-sol alaranjado, com direito a arco-íris e pássaros cantando, a mãe se lembra de que precisa terminar de preparar o jantar. Mas dirige-se à pequena cozinha com o coração bem mais leve, o coração de quem passou alguns minutos em algum mundo encantado.



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Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 19/10/2012
Reeditado em 31/07/2015
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