OS CONTOS QUE EU TE CONTO
"BORDADOS"
Aconteceu um tempo – uma mulher e sua cesta de fios. Seus retalhos coloridos suas agulhas suas fitas e rendas, seus botões de madrepérola.
Tudo era apenas um “coser” de horas, nas colchas de retalhos e nos “fuxicos”, nas flores de fitas e nos entre meios de rendas.
Um desfiar eterno – esburacando o olhar nos crivos do linho branco. Enquanto isso, lá em cima o relógio dormia seus ponteiros e a tarde alinhavava os raios de sol pelas frestas da cortina fazendo brilhar diamantes em seus cabelos.
O vento soprava cheiros vindos do pomar – limoeiros, laranjeiras, pitangueiras floridas ditavam os aromas misturados de flores e o cheiro do pão quente saindo do forno.
Ainda ecoa o bater o monjolo pilando o milho branco – fubá para os incontáveis quitutes do café da tarde.
Neste baticum interminável acionado pela roda d’água, os pensamentos apenas adejam entre fios verdes, azuis, vermelhos desenhando os meandros de sonhos, flores e pássaros sobre um fundo branco.
Na imensa mesa da cozinha, a quentura do pão faz derreter a manteiga amarela. O fubá branco, agora bolo com goiabada e erva doce faz sorrir até mesmo o pinguim sobre a geladeira antiga.
Em cada pedaço de pão em cada gole de café forte adoçado com açúcar cristal e branqueado com leite espumado e fresco, há um pouco daquela mulher.
Numa fração de segundos ficamos frente a frente envoltas numa alegoria cravejada de olhares dos nossos mortos e de nossos vivos. Nossos vivos com seus olhos mortos, que nada veem além das paredes de vidro dos grandes edifícios.
Ainda existe uma porta entre aberta por onde o tempo se esconde deixando um rastro de lembranças. E nas badaladas do velho carrilhão a poeira se levanta enquanto ela passa, trazendo nas mãos o passado e o futuro bordados em ponto de cruz e silenciosamente sobe os degraus polidos da velha escada.
Tudo fica impresso nos grãos do pó e na poeira suspensa dentro de nós e quando sopradas pelo vento nos fazem personagens da nossa própria história.
Ela é assim. Uma mulher que caminha entre os meus sonhos e a minha história. Caminhou serena pelos sonhos da minha mãe e caminhará pela história do meu filho e será sempre assim, com ela passeando entre o passado e o futuro trazendo sua cesta de fios, bordando crivos e cosendo "nossos retalhos".
...PARA MINHA AVÓ.
* imagem: Desenho Arranjo de Flores (grafite em papel Canson) Luciah López
"BORDADOS"
Aconteceu um tempo – uma mulher e sua cesta de fios. Seus retalhos coloridos suas agulhas suas fitas e rendas, seus botões de madrepérola.
Tudo era apenas um “coser” de horas, nas colchas de retalhos e nos “fuxicos”, nas flores de fitas e nos entre meios de rendas.
Um desfiar eterno – esburacando o olhar nos crivos do linho branco. Enquanto isso, lá em cima o relógio dormia seus ponteiros e a tarde alinhavava os raios de sol pelas frestas da cortina fazendo brilhar diamantes em seus cabelos.
O vento soprava cheiros vindos do pomar – limoeiros, laranjeiras, pitangueiras floridas ditavam os aromas misturados de flores e o cheiro do pão quente saindo do forno.
Ainda ecoa o bater o monjolo pilando o milho branco – fubá para os incontáveis quitutes do café da tarde.
Neste baticum interminável acionado pela roda d’água, os pensamentos apenas adejam entre fios verdes, azuis, vermelhos desenhando os meandros de sonhos, flores e pássaros sobre um fundo branco.
Na imensa mesa da cozinha, a quentura do pão faz derreter a manteiga amarela. O fubá branco, agora bolo com goiabada e erva doce faz sorrir até mesmo o pinguim sobre a geladeira antiga.
Em cada pedaço de pão em cada gole de café forte adoçado com açúcar cristal e branqueado com leite espumado e fresco, há um pouco daquela mulher.
Numa fração de segundos ficamos frente a frente envoltas numa alegoria cravejada de olhares dos nossos mortos e de nossos vivos. Nossos vivos com seus olhos mortos, que nada veem além das paredes de vidro dos grandes edifícios.
Ainda existe uma porta entre aberta por onde o tempo se esconde deixando um rastro de lembranças. E nas badaladas do velho carrilhão a poeira se levanta enquanto ela passa, trazendo nas mãos o passado e o futuro bordados em ponto de cruz e silenciosamente sobe os degraus polidos da velha escada.
Tudo fica impresso nos grãos do pó e na poeira suspensa dentro de nós e quando sopradas pelo vento nos fazem personagens da nossa própria história.
Ela é assim. Uma mulher que caminha entre os meus sonhos e a minha história. Caminhou serena pelos sonhos da minha mãe e caminhará pela história do meu filho e será sempre assim, com ela passeando entre o passado e o futuro trazendo sua cesta de fios, bordando crivos e cosendo "nossos retalhos".
...PARA MINHA AVÓ.
* imagem: Desenho Arranjo de Flores (grafite em papel Canson) Luciah López