O silêncio que não tem volta

Juquinha era um menino muito inteligente e buliçoso. Queria saber tudo que passava ao seu redor. Perguntava das coisas mais banais aos temas polêmicos desta sociedade em que era inserido. Tinha muitas dúvidas com relação ao físico, porque a idade não permitia aprofundar-se no psicológico.

A dúvida clássica era porque ele tinha pinto e sua prima Betinha, pipiu. Aliás, porque ele era “o” menino e ela era “a” menina. O que deixava-o mais curioso era que ele podia mijar em todo canto e ela só podia fazer em locais seguros. Não entendia porque sua mãe não deixava ele dizer que “fazia xixi”, só “mijar”. Segundo ela homem mija e mulher faz xixi. As dúvidas pairavam em sua cabeça e seus parentes tentavam despistar de todas as formas.

Um dia Juquinha viu seu irmão mais velho debruçado em cima da vizinha. Ele notou que o pinto do seu irmão estava misteriosamente inserido no pipiu dela. No outro dia ele perguntou pro irmão o que era aquilo e a resposta foi que era coisa de gente grande, de pai e mãe. Foi mesmo que nada. Juquinha não entendeu o que o irmão queria dizer. Eis que Juquinha e Betinha crescem…

Um belo dia Betinha sofre um sangramento nas nádegas e sua mãe diz que é pelo fato dela andar muito de bicicleta. Disse mais, que todo mês ela sangraria uns dias. As brincadeiras de casinha dos priminhos vão se tornando mais complexas. Ele decide que queria ser o pai da casinha e Betinha, a mãe. Com isso terminam repetindo o ato que o irmão de Juquinha tinha feito há tempos atrás. Acontece que Juquinha já estava ficando rapazinho e termina expelindo um líquido muito estranho dentro do pipiu de Betinha.

A barriga de Betinha começa a crescer e a família começa a estranhar. Pensavam que era por causa da idade, do início da adolescência. O tempo foi passando e a barriga crescendo. A família enfim descobre que Betinha estava grávida de Juquinha. Daí não tinha mais jeito, tinham que falar o que era sexo para os dois. Com muita luta conseguiram contar mais ou menos o que representava aquilo pra sociedade, sem ao menos falar a palavra sexo.

Falaram um monte de baboseiras, mas já não precisava. Juquinha sabia que aquilo que a família dele queria dizer se chamava hipocrisia.

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Publicado originalmente no Diário de um’A Barata em 26/01/2001.