O TROFÉU DE COURO
Acordou bem cedo. Nem tomou café. Foi direto ao trabalho. Aquele dia parecia ter sessenta horas. Enfim, a hora do almoço. Chegou em casa:
- Querida, por favor, prepare a minha roupa. Estou confiante.
- Claro, querido. Com que roupa você vai?
- Com a de sempre: a única. Não importa. O importante é participar.
Terminara o almoço, quando se preparava para sair, lembrou de checar o calçado - também único.
- Querida, meus sapatos abriram o bico. Sem condições de utilização, ainda mais, na noite de hoje. Será falta de sorte?
- E agora? Onde encontraremos sapatos novos para você?
- Sapatos! É fácil, amor. O difícil mesmo é o dinheiro. Fim de mês é sempre assim.
Sem encontrar solução voltou ao trabalho. Não conseguia se concentrar nas atividades. Pensava mesmo era no que teria pela frente. Seus pensamentos criavam cenas verossímeis, fazendo-lhe esquecer de que um simples par de sapatos poderia por tudo a perder. Subitamente, voltou à realidade:
- Droga! Esqueci-me dos sapatos! Os malditos sapatos!
A sua ida aquele evento realmente dependia de um par de sapatos, pois os velhos já não ofereciam condições de uso no dia a dia. O problema tinha como agentes complicadores a falta de dinheiro e a rarefeita oferta de mercadorias em pequenas cidades do interior. Para a surpresa de nosso descalçado herói, eis a sua esposa:
- Querido, olha que eu trouxe pra você! Depositando sobre a mesa uma caixa.
- Mas... Onde e como você conseguiu isso?
- Lembra da Regina? Ela vende calçados. Simples, né!
- Da Regina eu até me lembro. Só não me lembro de ter dinheiro para comprar algo.
- Realmente. Dinheiro nós não temos, mas temos crédito. Além do mais, só assim você poderá ir a cerimônia de premiação, pois agora você já tem sapatos.
Antes que ele a convencesse de que não poderia ficar com o presente, beijou-o e saiu enquanto ele examinava o produto. Era um mocassim em couro, preto, confortável, de bom acabamento e perfeito para a ocasião que o aguardava. Pensou em não ficar com o calçado. Acabou cedendo à surpresa da esposa. No fim da tarde arrumou sua mesa e foi para casa.
A cerimônia estava marcada para as vinte horas. Por volta das dezoito, vestiu a roupa de sempre e calçou os sapatos de agora. Ficou bem. Estava pronto. Literalmente, estava preparado da cabeça aos pés e, dentro de mais algumas horas, saberia o resultado do concurso e ansiava por surpreendente vitória.
- Querido, já tá na hora. Acho bom você não se atrasar.
- Tem razão. Torça por mim, querida.
Após um longo beijo na companheira, saiu apressado rumo ao cine-teatro.
Deparou-se com um bom público. Poderia ser aquela a sua noite de glória, pensava. A solenidade teve início e os convidados foram conhecendo os primeiros condecorados da noite.
- Nossa! Tem muita gente boa aqui. Não será fácil ter a minha poesia reconhecida aqui.
Um a um, após a leitura de seus poemas, os poetas eram anunciados e chamados ao palco para receberem suas premiações. O evento chega ao fim e o nome de Augusto não foi sequer mencionado. Ciente de que ainda não era a sua vez e de que deveria se dedicar mais à poesia, o frustrado poeta, cabisbaixo, deparou-se com o mocassim:
- Pois é companheiro... Não foi dessa vez que ganhei o meu troféu...
Voltando para casa, rememorando todo o esforço consumido naquela poesia, no dia que tivera e na noite que se encerrava enfadonhamente, resolveu passar pelo escritório. Momentos depois, foi recepcionado pela mulher, que sonolenta, abriu a porta da modesta residência para o marido:
- E então, querido. Com foi?
- Foi ótimo! Eu sabia que não voltaria para casa de mãos vazias. Ao responder, entregou um volume, embrulhado num papel de presente reutilizado.
- Augusto, mas são os seus sapatos! Compadeceu-se a esposa, notando os pés descalços do poeta amado.
- E poderia haver prêmio melhor que o seu zelo por mim.
Beijaram-se e amaram-se intensamente, tendo como testemunha, cuidadosamente, encostado à parede, aquele troféu de couro.