O último atraso
Manoel da Silva, o Manel, acorda. Se espreguiça, toma uma dose e vai se arrumar. Ainda não clareou, mas pra chegar às sete na construção, precisa levantar-se cedo, afinal, são três conduções para pegar.
Vem um ônibus lotado, apertado, onde ele só pode ir em pé, sem ao menos ter a esperança de conseguir um assento livre para tirar a tensão matinal. Se for esperar outro pode chegar atrasado na batalha e aí ser fatal. Entra. Desce no fim da linha e sobe no segundo. Este é menos cheio e, de sorte, senta-se. Mais uma vez no fim da linha ele desce e prefere não pegar o terceiro pois o engarrafamento mais na frente está caótico. Segue a pé que é mais rápido.
Três horas depois de ter acordado, enfim, chega no trampo. Recebe uma bronca do mestre de obras porque está atrasado meia hora. Não importa se veio andando ou nadando, seu superior não quer saber. Não é a primeira vez e pode ser a última.
O resto da manhã ele carrega de um lado para o outro uma pilha interminável de cimento. À tarde é vez de encher de areia os carrinhos de mão e deixá-los na betoneira. No fim do expediente uma notícia chega aos seus ouvidos: o engenheiro não tolera atrasos e decidiu que ia demitir o pobre do Manel. Mais um desempregado num país de muitas injustiças sociais. Vai receber o fundo de garantia, mas não sabe se terá garantia de arranjar outro emprego…
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Publicado originalmente no Diário de um’A Barata em 2001.