Bicicleta
A única companhia para o menino era a bicicleta. Naquele lugar onde nada havia para se fazer (de acordo com o mundo capitalista), o utensílio de duas rodas era a sua salvação.
Com ela percorria as vagas ruas da pequena cidade do interior e fugia um pouco do mundo urbano. Em meio à natureza e a tranquilidade, ali pensava sobre os mais variados assuntos. Era somente aquilo que fazia. Somente aquilo que sabia fazer.
Pensar. Sobre a paz, sobre o amor, sobre a vida, sobre a saúde, sobre o mundo, sobre política, sobre felicidade, sobre o amor (novamente), sobre economia, sobre religião, sobre Deus, sobre família, sobre solidão, sobre o amor (mais uma vez).
Mas o assunto mais recorrente em suas sublimes indagações era a solidão e a imaginação. Imaginação? Sim, a imaginação. Porque enquanto pedalava, via ao seu lado a figura de um ser humano, alguém que só ele via. Com feições femininas, joviais, e um sorriso no rosto ao olhar para ele.
Ela não tinha nome, nem aparência, mas ele sabia que ela era bonita. Também andava de bicicleta, ao lado do menino. Menti no começo: a bicicleta não era a única companhia. Também havia a menina.
Era uma criação do seu subconsciente. Uma “amiga” (ou será que era algo a mais?) imaginária. Mas aí que entra a solidão. Ele não era sozinho. Tinha amigos, tinha seus pais, um irmão e uma irmã. Mas era sozinho. Era sozinho no amor. Tinha uma carência excessiva no que se relacionava ao relacionamento amoroso.
Era algo inexplorado para ele. Algo novo, virgem. Ele tinha a vontade (e ainda tem) de entrar nesse maravilhoso mundo do qual só ouvia falar. De amar e ser amado. Talvez foi essa carência que fez sua mente criar uma “namorada” (agora não era mais amiga) imaginária.
A realidade nunca foi confortável. Tanto que os homens adoram inventar novos mundos e novas dimensões. Era isso que ele fazia. Participava de um mundo só dele. Um mundo no qual ele ditava as regras. Um mundo no qual ele era feliz.
Mas não se pode viver sempre na imaginação. Então voltou a realidade. A menina sumiu, a bicicleta continuou com ele. Junto dela, voltou para a casa. Mas não era infeliz, soube com certeza que poderia a qualquer momento retornar a esse fantástico mundo.
Ah, e menti novamente: as únicas companhias do menino eram a bicicleta, a menina e essas palavras as quais ele próprio escreveu.