ACREDITOU, ESCORREGOU... E MORREU!

Manhã de eleição.

Naquele domingo ela acordou diferente não apenas porque queria votar, mas porque aprendera lá nos seus remotos tempos de histórica cidadania que votar seria sempre preciso para o seu cada vez mais difícil mas preciso viver de tão impreciso ser.

Tão imprecisa era a ânsia daquele seu projeto de ser que sequer se deu conta de que ninguém do interior da urna a conhecia, nem a ela tampouco aos seus sentimentos e pertinentes questionamentos da sua existência tão esmerada em esperar...sempre.

Todavia o seu chão sempre fora peregrino e a despeito das tantas e alheias urnas do seu tão pretenso ser- mesmo assim!- ela ainda precisava votar seus projetos de vida por sobre aquele seu árduo e escorregadio tapete de santinhos candidatos, os mesmos de sempre, todos na promessa de santificarem o seu chão de indulgências mais que precisas, de necessidades inadiáveis pelo curto tempo que o destino dali lhe reservava.

Então, com milagroso esforço cidadão, ela heroicamente se equilibrou até a sua mais que precisa, porém derradeira, confirmação de voto.

Ao sair dali, escorregou no batalhão de "santos" que atapetava seu chão, naqueles dos tantos partidos de migalhas que sempre lhe deram as costas sem nunca lhe operarem um milagre sequer.

Ao cair fraturou o fêmur e algumas horas depois desistiu da luta de caminhar pela vida para num inerte segundo falecer no hospital.

Sequer desconfiava que da urna da eleição à urna do seu féretro, poucos instantes a separavam da derradeira esperança de caminhar por um chão terreno mais digno, recapeado com esmero depois dum milagroso resultado das urnas da vida.

Do seu concreto pedaço de terra ao seu prometido e ilusório lote de céu ela apenas levou o pecado de ter acreditado e votado.

Nenhum daqueles santos a encomendou.

Ao mundo, nos deixou a grande lição de que políticos matam por todas as vias, em quaisquer chãos.

***

Nota: Deixo aqui este meu inconformado conto, a quem não soube, em homenagem à senhora eleitora que faleceu depois de escorregar e cair no tapete de "santinhos eleitorais" que inundou as calçadas e ruas nas eleições, não apenas de Sampa, mas de todo o Brasil.

Uma flagrante negligência do descaso crônico daqueles que operam e/ou fiscalizam os atos da vida pública civil, inclusive daqueles que ofendem impunemente a lei.