Iloir e o Surgimento da Ilusão
Chamava-se Iloir, mas todos o chamavam de Ilôzão, assim mesmo, com dois acentos. I-lô-zão. Os adversários o apelidaram de Alazão, pelo vigor. Era centroavante. Mantinha sempre a postura ereta: uma postura de goleador, orgulhosa e, indubitavelmente, simpática.
Não eram apenas os gols que estufavam seu peito, ele sabia que era um homem de boa aparência. Sabia que tinha o tchan.
Sempre que passava por Lucinha, a vizinha, ela o fitava inteiro antes de cumprimentá-lo. Iloir a encarava nos olhos, rapidamente, e sabia, sabia exatamente o que ela estava pensando: Que vigor! Que presença! Matador!
Iloir disfarçava, elegante, não perceber a galanteada.
Todas o admiravam, mas só uma o possuía. Era casado há cinco anos com Marta. Cinco anos de marcação acirrada. Sem liberdade pra jogar, fixado na área.
- Ilozâo, tem que jogar pelo time, ajudar na marcação e, quando tiver oportunidade, buscar a Martinha na creche. OK?
- OK.
Após as grandes vitórias, seus companheiros o pressionavam para as comemorações, para as bebidas, para as lindas mulheres. Os jornalistas certa feita escutaram o grito de Ilôzão no vestiário:
- Nunca traí! Não bebo! Não faço festa! Jogo pelo time!
Com seus gols, em menos de um ano ele já era conhecido em toda a cidade e até tinha contrato para jogar o Gauchão pelo Zequinha.
Era o alazão da manada. O Brad Pitt dos pampas. Ele sentia. Sabia exatamente o que todas as mulheres pensavam quando ele passava: Que vigor! Que presença! Matador!
Tal fama lhe subira a cabeça. E Marta percebeu. Ele já não arrumava a cama, contratara um motorista para buscar a Martinha na creche. Até o sexo já não tinha o mesmo vigor. Ele não jogava mais pelo time!
- Ilôzão, tu não tá mais jogando pelo time.
O centroavante continuou lendo sua matéria na ZH ignorando-a.
- I-lo-ir.
Nada. Agora a Marta sentiu a raiva subir-lhe pelas ancas, até enrubescer toda sua face, e foi pra cima, sem dó:
- Puta que pariu Iloir, assim não dá! Só porque tu é o goleador de um timeco da várzea, fica agindo como se fosse o Túlio Maravilha.
Nada. Mas ele só estava fingindo não se importar. Marta sabia.
- Só quer saber de futebol e do nosso time que é bom, nada né!? Nem para buscar a Martinha na creche! Ainda por cima fica desfilando por aí, se exibindo, como se fosse um Paulo Zulu...
Marta achava que ia receber mais uma ignorada. Até que gostaria. Mas não, assim que falou em Paulo Zulu, ele saltou. Encarou-a nos olhos como nunca fizera. Estava brabo, até roeu as unhas antes de falar! Gritou:
- Quê?! Como se fosse?? O quê que o Paulo Zulu tem que eu não tenho? Túlio Maravilha, ok, impossível, mas um Paulo Zulu... sou muito mais que um Paulo Zulu!
Marta ficou espantada, Ilôzão não era mais o mesmo.
- Você só pode estar brincando.
- Brincando? Treino é jogo, jogo é guerra! Se tu não gosta, há quem goste!
Plaft. Bateu a porta.
Voltou dois dias depois para buscar as coisas e sair. Ilôzão tinha um paraíso de oportunidades pela frente.
Logo na saída, na portaria do prédio, encontrou Lucinha, a vizinha, ex-vizinha. Dessa vez não deixaria passar. Presa fácil.
Abordou-a de forma educada.
- Oi.
- Oi.
Ele sabia exatamente seus pensamentos: Que vigor! Que presença! Matador!
Porém, antes de puxar um papo, ela desviou. Ela desviou! Desviou!
E assim aconteceu com todas outras mulheres que Iloir abordou, todas desviaram.
Passou o Gauchão todo no banco, às vezes, nem nele. Os amigos não acreditavam. Ele não era mais o mesmo, estava cabisbaixo, triste, perdera aquele tchan, sabe?
Então tomou uma decisão: iria buscar a Marta de volta! Queria fazer parte do time de novo. Queria voltar a ser o Ilôzão. Ele a amava, sabia que amava! Pensava: Como fui tão burro? Meu Deus!
Foi até sua ex-casa, bateu na porta e ela apareceu. Estava diferente. Pediu desculpas. Chorou. Falou que buscava a Martinha na creche, admitiu que não era lá um Paulo Zulu, ia arranjar um trabalho normal, ia ser fiel.
Às lágrimas, Martinha respondeu.
- Não dá, Iloir, virei casaca.
Mostrou o anel e foi logo fechando a porta. No fundo, ele viu Betão lavando a louça.
Era o fim definitivo de Ilôzão. Ele a perdera pra outro, não outro qualquer, um zagueiro! Sempre soube que ela queria um time conservador, seguro e até retranqueiro.
Restou a Iloir viver uma vida à esmo, comendo Miojo, jogando Nintendo 64 e pensando na carreira que podia ter construído.