A MULHER E A RUA
Ela já está virando a esquina quando a vejo. Olhar de vidro, olhar além, além deste mundo, das coisas da terra, da esperança, da vida, os pés se arrastam, o vestido se arrasta, o olhar se arrasta; está frio e seu arremedo de casaco tem furos sob as axilas, conforme ela anda o casaco parece ter vida própria e dança, cheio de manchas pardacentas que se acotovelam umas sobre as outras. Vez em quando ela ri, riso tremulo e estreito a boca miúda se contorce em várias direções e ela me olha com desconfiança, murmura alguns sons inteligíveis, conversa com alguém de sua alma, também vez em quando voluntárias lhe cortam o cabelo e lhe dão uma roupa nova. Ela caminha pelas ruas cheias de carros e seu anjo da guarda a segura com firmeza. Não posso entender o porquê de estar terminando seus dias na rua., onde mora, onde morou, quem amou, quem odiou, quem esperou ou deixou.
Como um boneco, fantoche, espantalho,que todos vêem mas que ,como eu, já se acostumaram a passar por ela. Faz parte da paisagem. Do bairro. Da cidade. Do país.