Duas canetas
Duas canetas, azul e vermelha, alternavam-se inquietamente naquela delicada mão, enquanto a outra folheava o calhamaço de provas. A cada nota baixa soltava os papéis e cutucava freneticamente a solitária espinha – machucando o rosto de diva dos mares do norte.
O pensamento, já longe da escrivaninha, contemplava o fim de tarde. Os olhos, cor de mel, focavam o pôr do sol em tons de sépia. Um transeunte, maravilhado pela cena, se indagava de onde vinha tanta luz, dos raios solares ou do brilho daqueles olhos que abraçavam os lábios em sorriso contemplativo?
Ofereceu-a um chocolate e falou que sempre ia lá tecer sonhos. Desta vez, desenhava na imaginação um quarto amplo de piso e paredes brancas que contrastavam com as cortinas e a colcha de cama azul… da cor do mar. Ela, surpresa, também idealizara tal recinto, que tinha uma longa parede cinza com grandes borboletas em diálogo com as cortinas, além, claro, do lustre com pérolas e luzes focais que traziam um clima de paz e aconchego.
A caneta vermelha caiu no chão e a despertou de um leve ressonar. Ao pegá-la, observou que a lua minguava na janela. Contou nos dedos os dias da próxima lua cheia. Não via a hora de terminar o trabalho atrasado e, enfim, poderia reduzir a distância entre palavras e sonhos que dependiam dela para tornarem-se realidade…