AVC

Manhã morna de fevereiro.

Acordara, como sempre, antes da esposa.

Saíra, comprara o jornal e retornara.

No meio da manhã, sentira uma sede inesperada. Dirigiu-se ao filtro, mas não conseguiu controlá-lo. Algo estava estranho. Não comandava bem seu corpo.

A esposa percebera a situação. Chamara os filhos, dirigiram-se ao pronto-socorro. Em longas horas o diagnóstico: AVC.

Ele já não conseguia andar perfeitamente. Seu braço direito era um apêndice estranho.

Depois de uma semana de hospital, retornara a sua casa.

A casa, a família, tudo lhe parecia hostil. Seu mundo estava diferente. Não o compreendia. Queria seu celular, mas não sabia mais como usá-lo. Não articulava bem as palavras. Vida difícil: remédios, cuidados excessivos, dieta... Sentia a família amedrontada e triste e isso o deixava mais inseguro.

Novamente sentira-se mal. Caíra. Perdera toda a força do lado direito do corpo. As palavras lhe haviam fugido da mente. Chorava... por quê? Já não tinha consciência plena dos fatos. Retornara ao hospital, imaginara. Aparelhos, tubos... por quanto tempo?

Saíra de lá. Para casa novamente.

Mundo mais hostil ainda: cadeira de rodas, fraldas, banho assistido, dieta por sonda. Não entendia o que havia com ele. Onde estava seu mundo? Perdera-o?

Fisioterapia, fonoaudiologia... sessões e mais sessões. Tudo , agora, era parte de um passado difuso, longínquo, mas ainda presente.

Seis anos se passaram. A situação melhorara: andava, com dificuldade, mas andava. Falava pouco. As palavras não haviam voltado para ele. Eram desconhecidas, raras, escondiam-se, faziam pouco dele.

A família, aos poucos, se adaptara. Antes presente, agora, mais distante. Ele, vivendo em seu mundo particular. Sua melhor amiga, a TV.

A esposa desenvolvera suas atividades profissionais. Estava sempre trabalhando, ganhando seu sustento. Vida dura, mas produtiva. estava mais longe dele. Sentia-a cansada, impaciente, já não tão meiga como antes.

Amigos? Parentes? Onde estavam todos? Onde estava ele?

Engaiolado até a morte, muito distante do homem que um dia fora.