A Festa no Ar

No carro, com fones de ouvido no mais alto volume, ela apoiava a cabeça na mão. Esperava a mãe sair do médico. Durante os trinta minutos que esperava, mantinha seus olhos na vaga imensidão dos mundos, e de ora em ora enchia-se de lágrimas.

Nessa perdida viagem ao abismo onde se encontravam todos os sentimentos reprimidos, ela começou a personalizá-los, juntando-os em algum lugar, a festa dos sentimentos. Ela levou o medo, alegria, coragem, amor, insegurança, mágoa e paixão. Ah, e ela própria foi também, pretendendo apenas olhar. Cada um foi chegando, tentando disfarçar a presença, menos a menina, que se continha em observar e ver o que aconteceria. A insegurança chegava bem vestida, mas com uma postura que não ajudava: encurvada, olhando para baixo e às vezes para o lado. A menina riu quando, ao olhar para fora, via o medo sendo puxado pela coragem para fora do carro. A mágoa chegou séria, ainda se podiam ver as lágrimas lutando para não cair; já a alegria exibia um sorriso, e com ele toda sua graciosidade. A paixão chegou eufórica, pulando, cantando, com a vitalidade de um adolescente. Por fim o amor chegou todos o olharam, mas logo se ocuparam em discutir uns com outros. Mas o amor chegara com um pequeno, bem pequeno e disfarçado sorriso, mas em seus olhos, a sensação que passava era de cansaço, desgaste. Não sabia por que resistia em existir.

Depois de se apresentarem, surgiram alguns focos de conversas, e um desses chamou mais atenção da menina. A paixão se aproximou do amor e perguntou: "Amor, sua face me intriga. Ainda entre olhos cansados e claramente desgastados resiste um sorriso. Por quê? Por que também não o aumenta?". O amor perdendo-se entre as respostas possíveis acabou respondendo: "Ah paixão, ainda é muito nova para entender. Você se esforça, se mostra e ainda assim é desprezado, e isso, isso me cansa a mente e refletem em minha face. Mas ainda assim vejo esperanças de algum dia me mostrar; falta-me apenas coragem...". Nisso, a coragem ouvindo seu nome, responde: "Não, não, não! Você não é mais feliz porque não se mostrou vivo, se tivesse feito isso, teria lhe ajudado.". O amor irritado disse: "Acaso é culpa minha se a insegurança e medo vivem grudados em mim?". Todos os olhos voltaram-se então para o medo e a insegurança. Essa última envermelhou o rosto e olhou para baixo, mas o medo se pronunciou: "Perdoe-me, imaginei que se deixasse o amor, esse não aguentaria a dificuldade do mundo.". A mágoa, levantando a cabeça, saiu em defesa do medo: "Não julguem o medo, pelo menos ele me manteve em casa e assim não importunei a pobre menina.". A alegria indignada, quase se perdendo disse: "Não acredito em vocês! Como, como podem fazer isso?! E eu, eu morro?!".

Triste a menina se levantou e gritou: "PAREM! A culpa de minha tristeza é de todos vocês...". Mas parou. Parou e percebeu que ela era eles, aqueles sentimentos. Sentou-se, se calou e chorou.

A culpa era dela. Ela tinha o dever de mudar.