.:. O outro .:.

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Casamento?! Ah, amigo, é a melhor coisa do mundo! Se eu pudesse casaria toda semana. Suportaria esperar, no máximo, um mês comercial, de 30 dias, pra ter direito a novo altar... Com mulheres diferentes, claro!

Ouvimos barbaridades sobre a falência da vida a dois desde sempre. O que já me encheram os ouvidos com aforismos do tipo “casar é maravilhoso; o difícil é permanecer casado!”, “casamento é instituição falida”... Entretanto, apesar das adversidades impostas por atavismos de protagonistas de relações malsucedidas, inexiste ajuntamento humano mais sublime e tão enxertado de encantamento, dentro do convívio social, quanto o que se inicia com a cerimônia matrimonial.

São tantos os convivas, são tantos os padrinhos e são tantas as testemunhas que o Santo Rito de tantos tantos e tantas se torna lúdico a tal ponto que precisamos mesmo é estar lá. Saber que um de nossos amigos casou através da língua ferina de terceiros não tem a menor graça, é mesmo inconteste punhalada pelas costas. Isso para mim, por exemplo, é vitória de Pirro[1]! – “O cara casou e não me avisou? Quanta desconsideração! Esconder logo de mim, o inseparável amigo de tantas farras. Não acredito!” (O “não acredito” é em relação ao ato de casar). É que nessas horas somos tomados por impulso involuntário de incredulidade e nos revestimos da máxima de São Tomé: se não presenciamos o fato em si, não acreditamos nele e, em não crendo, nosso amigo continuará sendo o velho parceiro, o parceiro velho de guerra.

Alguns pesquisadores do “pós-sim” acreditam residir nisso toda a gênese dos amigos impertinentes e creem estar na herança pós-ressurreição dos ditos tomerianos a origem dos primeiros dissabores conjugais, quando os vermes desanelados perturbam relações aneliformes ainda tênues e preambulosas. Casar talvez seja ato de doação e de coragem; e permanecer por toda vida altruisticamente corajoso, indicativo de burrice. Se for, tudo bem, eu sou burro, beócio recalcitrante. Afinal, ninguém é perfect[2], ora!

E a espera angustiante por noivas que teimam em nunca chegar? Tardança meticulosamente articulada com o cerimonial, ou aplicação direta, pura e simples, do Princípio da Incerteza de Heisenberg[3]?

A cara do noivo é inefável[4] ao receber a nubente da mão do pai ou de alguém que o valha – casamento é, pasmem outra vez, imutável e perene[5], mas suscetível às mudanças do tempo: contraditório em essência, portanto. Assim, a transmissão de faixa, a cessão de posse e de poderes, está cada dia mais reticente. Hoje, ao contrário de velhos taciturnos[6], barrigudos, carecas e orgulhos conduzindo as noivas, transmutamos para tênue lapso temporal. Permeando o Sacramento, no exórdio[7] da confraria[8], as iminentes esposas, não raras vezes, são entregues aos noivos por mãos joviais nada paternas, mas com ares de beligerantes guerreiros, incrustados com perfidiosos[9] sentimentos de rivalidade.

Entre os tantos convivas, as tantas testemunhas e até entre os tantos padrinhos ficam as indagações: Quem é? Amigo? Primo? Não. É o novo amigo íntimo da mãe da noiva que será apresentado durante a festa. Apresento-lhes a modernidade! Nos modernos tempos, a frugalidade das relações extirpou o bom senso, a sensatez invulgar da temperança e a preocupação com o ridículo, pois o sentimento humano é o paradoxo da realidade concreta. Assim, quanto maior o vazio, mais rapidamente uma pseudorrelação tende a preenchê-lo. Isso nos serve como alerta nos momentos de carência. Nessas horas, podem surgir, além de efêmeros fantasmas, novos monstros, ingenuamente identificados como primevo amor ou nova paixão.

Como nunca vi o filho entrar com a mãe, em nenhum dos casórios que já fui, falarei sobre a entrada da noiva, o que acho pertinente.

As sogras, essas não mudam, continuam as mesmas. Mães não se provetam! E elas, coitadas, envolvidas pela emoção das filhas entregues aos genros queridos, quase nunca traduzem o olhar fulminante dos novos membros da família. Há nesses olhares um desabafo inconsciente e cheio de mágoas agradecidas.

Durante a homilia[10], acredito que o futuro papai deva imaginar, numa retrospectiva em preto e branco, de toda a caminhada anterior àquele momento. Primeiro beijo, primeiro abraço... Primeira discussão temperada, óbvio, pela querida mão da sogra. Este noivo, em especial, não olvidou e não esquecerá nunca do dia em que foram ao cinema e ela (a noiva) não compareceu, conforme o combinado, de sainha. Ao encontrar o então namorado, antes de qualquer pergunta, sentenciou: “– Mamãe não deixou!”.

Ah, mas o tempo é sábio e inequívoco. Em anos futuros, farei previsão nada agradável às senhoras esposas. Repito: – Depois de alguns anos de casados, na napoleônica rotina do lar, não haverá saia, nem baby doll, nem nudez que anime o fogoso marido, pois, com o tempo, a melhor saia é a da amiga; o melhor baby doll é o da vizinha...

Casar é bom demais! É, indubitavelmente, a melhor relação que nos ajuda a descobrir a outra!

Esta é a versão masculina do enredo – que pode perfeitamente ser relido, feitas as devidas adequações, à luz do entendimento de qualquer mulher. Está feito o convite. Você, amiga mulher, arriscaria reler sob esta nova ótica? Fiz isso e odiei...

Juazeiro do Norte-CE, 21 de janeiro de 2007.

22h38min

[1] Vitória pírrica ou vitória de Pirro: expressão utilizada para expressar conquistas obtidas a alto preço, potencialmente acarretadoras de prejuízos irreparáveis.

[2] Perfeito.

[3] Segundo o princípio da incerteza, não se pode conhecer com precisão absoluta a posição ou o momento (e, portanto, a velocidade) de uma partícula. E as noivas, quando demoram, passam essa incerteza a quem, angustiadamente, necessita esperar por elas.

[4] Que não se pode exprimir por palavras.

[5] Eterno, perpétuo.

[6] Sombrios, silenciosos.

[7] Princípio, início.

[8] Aliança.

[9] Infiéis, traiçoeiros.

[10] Preleção dada pelos sacerdotes no decorrer das missas, após a leitura do Antigo Testamento e do Novo Testamento, e antes da recitação do Credo. A homilia tem a função de explicitar a fé e o significado dos vários elementos litúrgicos, também em relação à situação dos presentes, para que o encontro dialogal com Deus se torne verdadeiramente consciente para todos e cada um. Na prática, a homilia deve ser uma "conversa familiar" do homiliasta com o povo de Deus.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 05/10/2012
Código do texto: T3917701
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