Não É O Que Parece

Fátima era uma mulher de meia idade, beirava seus 40 e poucos anos, 1,60, corpo magro, aparência abatida, sofrida, tinha 3 filhos pequenos para criar e a pouco o marido a tinha deixado com quase nenhum recurso, morava num barraco de madeira construído quase empoleirado em cima de tantos outros iguais num bairro miserável, nos confins da região leste da capital paulista.

Correu de ponta a ponta até encontrar uma "macumbeira" que espalhava panfletos cheios de erros ortográficos pelos postes e muros da cidade, "Trago seu amor de volta em 3 dias, mais tardar 7 !" dizia dentre outros pormenores, atravessou a cidade para encontrar a tal mulher, atendia com hora marcada e dizia que não cobrava consulta, daí tamanho atrativo da parte de Fátima que já estava quase passando fome junto com seus filhos, ganhava uns trocados vendendo latinhas de alumínio outrora fazendo faxina em casas em que tinha indicação, mas ainda era pouco, precisava do marido de volta para ajudar a criar os filhos e manter a casa.

Conferiu o endereço anotado rabiscado num pedaço de folha de caderno, era ali, ruazinha pacata, algumas boas casas outras nem tanto e era numa dessas mais simples que havia um pequeno panfletinho "Mãe de Santo Chica de Xangô". Olhou ressabiada, nunca mexera com essas "coisas" e agora estava ali, diante de um suposto terreiro, tinha pratos de barro do lado de fora, alguidares cobertos com panos vermelhos, não fazia ideia do que poderia ter, talvez fosse melhor não saber, ouvira tantas coisas sobre esse pessoal macumbeiro, que matavam galinhas, bodes e sabia-se lá mais o quê ! Tomou coragem, bateu palmas, não demorou muito, uma mocinha negra de uns 16 anos apareceu sorridente na porta com as chaves na mão, abriu o portão sorridente e disse que sua avó já iria atender, estava terminando uma consulta.

Fátima seguiu a mocinha sem muito dizer e sentou-se na ante sala num sofá desses simples de tecido, olhou em volta, nada de diferente, era uma sala comum com tv, som, uma mesinha de centro com um vaso artificial de flores, uma estante meio bagunçada e numa prateleira do lado oposto, uma imagem de Nossa Senhora com terço e debaixo uma toalhinha branca, tinha ao lado umas rosas brancas e uma vela de sete dias que estava queimando já pela metade, brilhava o pavio atrás do envólucro plástico, um gato dormia sossegado na almofada no outro sofá perto da janela. Estava perdida em pensamentos quando a mocinha que a havia atendido agora acompanhava um outra mulher até o portão, deu pra notar que era uma mulher bem rica, muitos anéis nos dedos, pulseiras, um relógio de ouro, colares e brincos combinando, roupas finas e caras e um perfume que cortou a sala e permaneceu por minutos, mesmo quando ela entrava em seu carro e fechava a porta. Pensou, que até os ricos às vezes recorriam a "esses lugares".

"Só mais um minuto, desculpe a demora, aceita um café, uma água ?" - a menina era gentil.

"Não, obrigada." - respondeu ensaiando um sorriso, no fundo estava era com medo do que iria ouvir.

Se passaram uns poucos minutos e a mocinha pediu que Fátima entrasse na sala ao lado, esta, diferente da anterior já tinha muitas imagens espalhadas pelas paredes em altares, grandes tachos de barro no chão, potes altos também de barro que não sabia mas o nome certo é quartinha, um atabaque e uma grande mesa no meio, com uma toalha branca, velas acesas e pedras contornando um tabuleiro de madeira envolto ainda por muitos colares e no meio dele, muitas conchinhas, os famosos Búzios. Sentada de frente para ela uma senhora bem velha e negra, parecia sair do núcleo africano das novelas de época, usava um vestidão longo, armado, todo branco, a cabeça coberta por um lenço também branco, não tinha jóias, só um brinco simples niquelado mas no pescoço, muitos colares, iguais aqueles que rodeavam os Búzios na mesa. Eram as guias sagradas de proteção dos pais e filhos de santo.

Sentou-se na cadeira vaga diante da mulher apertando a bolsa como se essa fosse sair correndo.

"Não precisa ter medo minha "fia" aqui nada vai te machucar, aqui nós só praticamos o bem."

"Olha dona, o meu marido foi embora de casa já faz mais de um mês e não sei mais o que fazer para cuidar dos meus meninos, estamos quase passando fome, não tenho estudo e quem é que contrata alguém assim ?"

"Eu sei minha "fia" seu coração tá apertado, você pensa mais nos seus "fios" do que em você mesma mas às vezes as coisas não somos como queremos."

"Eu quero que a senhora faça uma macumba daquelas fortes para ele voltar mais eu, pode amarrar tudo pra ele não ir mais embora, nunca mais !"

A velha senhora ficou uns minutos em silêncio, pegava búzio por búzio e começou então a esfregá-los nas palmas das mãos, então soltou todos de uma vez sobre o tabuleiro.

"Óia minha fia as entidades mostram que esse homem não era bão nem pra tu nem pra teus filhos e o melhor que poderia acontecer era mesmo ele ir simbora".

"Mas pior sem ele, passando fome ? Pode amarrar ele dona pode mandar de volta."

"Veja bem minha fia aqui, nessa casa nós não amarramos ninguém, não fazemos esse tipo de trabalho, aqui é Umbanda e nós dessa doutrina aprendemos que nada se força, nada se amarra e não fazemos macumba nenhuma, não matamos bicho. O que esse fia pode fazer é vir um sábado a noite e participar de uma gira, falar com as entidades e receber conselhos. Eu atendo de graça jogando os Búzios para poder ajudar nas respostas que os fios vem buscar com o coração apertado, o que sai aqui, também é falado pelas entidades encorporadas no terreiro. Você tem que seguir seu caminho e recomeçar, não precisa de dor e sofrimento ao lado de alguém ruim pra você e seus filhos pra poder garantir um prato de comida."

Fátima ficou decepcionada, não era o que esperava ouvir.

"Mas no anúncio dizia outra coisa, trago de volta em 3 dias".

"Esse anúncio é muito antigo era outra pessoa que morava aqui antes de mim e da minha neta, eu não sei para onde essa pessoa se mudou mas lhe digo fia, não era o bem que ela fazia, porque o que é forçado, é mau e ela estava fazendo mal a si própria, às entidades que ela servia e à todas as pessoas que vinham em busca dessa promessa e deixavam muito dinheiro para ela."

"Não tenho dinheiro pra pagar nada."

"Mas nóis não cobra nada aqui nessa casa minha fia, damos de graça aquilo que recebemos de graça, esse fia só tem que aceitar as coisas da vida e acreditar que será melhor assim, esse fia pode arranjar um emprego, trabalhar honestamente pra poder criar seus filhos, sem precisar ter a mão pesada de um homem bêbado todas as noites lhe surrando, a você e seus meninos, pense bem minha fia, Oxalá está te dando uma nova chance, de mudar tudo para melhor e mesmo com esse presente, você quer gerar um karma para sua alma e ainda viver no sofrimento ? Em troca de quê minha fia ? Pense com a razão e vai ver que seu coração vai estar de acordo com ela !"

Fátima agradeceu a consulta e foi saindo, ainda contrariada, ao passar pela porta viu que os pratos do lado de fora, tinham apenas farofa amarela e pimentas em cima, não havia nada estranho, nada morto. No caminho para casa foi pensando em cada palavra que a mãe de santo tinha falado para ela, já perto de casa, viu que um mercado contratava pessoas para limpeza, não precisava muita experiência, arriscou, foi até o gerente e perguntou da vaga, eles davam preferência para quem morava na região e o horário também era bom, poderia trabalhar enquanto seus meninos estivessem na escola, deixou o telefone da vizinha para recado e foi embora, no final da tarde recebeu o recado, estava contratada e no dia seguinte, poderia começar levando consigo seus documentos. Naquele momento entendeu o que a velha senhora havia lhe dito, todos nós recebemos uma segunda chance de mudar tudo, só basta querer e aceitar de coração aberto !

Sandra Franco Der Rosenrot
Enviado por Sandra Franco Der Rosenrot em 05/10/2012
Código do texto: T3917322
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.