.:. As máscaras .:.
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Oito horas e dez minutos de uma manhã de terça-feira.
O tenente Lascare abre a porta. Pede permissão para entrar. Do birô, a não mais que cinco metros de distância, o general esbraveja :
– Isso lá são horas de chegar ao quartel, tenente! O expediente se inicia oito horas da manhã, camarada, ou você se esqueceu disso?
– Mas general...
– Não pedi sua opinião, combatente! Pode ir.
O tenente presta a deferência habitual e se retira, ainda ouvindo intempestivos comentários do oficial-general.
Seis horas da manhã do mesmo dia. O general, ainda em trajes menores, dirige-se ao banheiro. Despe-se. Senta-se... Lê algumas páginas do periódico “Os Petralhas”. Levanta-se. Dá uma olhadinha. Ouve-se o barulho da descarga.
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O fórum está uma correria só. Haverá Tribunal do Júri com início da sessão previsto para nove horas. Um dos acusados é de alta periculosidade. O caso teve repercussão nacional. Lentes curiosas, tentando o melhor ângulo para a melhor foto e imagem, esbarram-se pelos corredores. O povo quer justiça; a imprensa, a notícia.
Dez horas da manhã. Inicia-se o procedimento. Advogados falam. Testemunhas falam. De repente, gera-se um princípio de balbúrdia motivado por declarações do réu. O magistrado, incontinenti , bate o martelo:
– Silêncio! Eu exijo silêncio! Estamos num tribunal, senhoras e senhores! Ou mantemos a ordem ou interrompo a sessão!
Vô, acorde! – é a netinha do magistrado que o desperta. É período de férias escolares e o Meritíssimo juiz tem visitas ilustres em casa. Ele se espreguiça. A netinha já está por sobre ele, pulando em cima do avolumado bucho do avozão. O magistrado solta flatos , sob os protestos veementes da neta, e se dirige ao banheiro onde termina o que já fora anunciado. Ouve-se o barulho da descarga.
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Doutor, doutor! Entrou um paciente grave na emergência.
– Já verificaram se tem plano de saúde? – é a resposta do médico.
– Não deu tempo... Entrou muito grave.
– Veja se está com a carteirinha. Tem acompanhante? Na dúvida, peça a caução , ok! Já estou indo...
O médico chega minutos depois, mas o paciente já está em óbito, teve êxito letal. A ação médica não foi exitosa.
O plantão fora exageradamente complicado. Muitas ocorrências graves, muitas intercorrências .
Durante o lanche noturno, o doutor comeu algo “reimoso” para o organismo e o processo metabólico decidiu expurgar rapidamente o que fora digerido, transformando o quilo numa pastosa mistura, de fétidos odores.
Falta pouco para o término do plantão. O doutor está no troninho e depois de tantas revisitações ao vaso, encontra-se como dama requintada à mesa, em festa chique: se pudesse, ele se limparia passando, suavemente, o lencinho “na boca”.
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Onde está o engenheiro da obra? Com uma morosidade dessa a gente não entrega esse prédio nunca! – são os gritos do dono da construtora. Ele descarrega toda a ansiedade no peão, no primeiro que encontra.
– Pois não, seu Oswald!
– Meu amigo, esse treco não está andando por quê? Isso aqui é obra e obra tem que andar, tem que decolar! Temos prazos e prazos devem ser cumpridos, ora!
O engenheiro, acostumado com os faniquitos do patrão, escuta sem sobressaltos, gesticulando com a cabeça.
– Ponha isso pra andar ou cabeças rolarão, entendeu?
– Sim, senhor!
O stress desajustou o aparelho digestivo do seu Oswald e uma fininha, a famosa, o pegou de surpresa. Ele precisou ir ao sanitário obrar, às pressas. Ouve-se o pedido:
– Alguém tem PH aí?
– Tem não, senhor! Fizemos o pedido na semana passada, mas ainda não chegou. – responde o engenheiro.
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Anos depois. Dia 2 de novembro...
No único cemitério da cidade estão ladeados: o General, o Excelentíssimo juiz, o Doutor e o grande senhor Oswald.
Num dos túmulos, localizado na área pobre do campo-santo, encontra-se uma senhora que chora pelo marido morto brutalmente por traficantes, durante um assalto. O criminoso fora condenado, mas tinha sido solto pelo indulto de Natal. Em liberdade, praticara novos crimes e, num deles, durante a fuga, alvejara o companheiro da senhora – bala perdida – e mais três policiais. Os quatro morreram – três no local. O cônjuge da sexagenária ainda chegou a ser socorrido, mas morreu ao dar entrada no hospital por causa da demora no atendimento.
A esposa do general também já faleceu. Alguns netos reverenciam o avô, silenciosamente.
O magistrado era divorciado e a esposa só tivera filhos nascidos de união estável posterior.
Os familiares do médico, filhos e netos, atribulados com a correria da profissão, estavam de plantão, todos, e não visitaram o patriarca.
O seu Oswald, estrangeiro, ficou sem o perfume das rosas. Ninguém levou flores pra ele – a família recusou enterrá-lo no país de origem e agora ele descansava em paz, na solidão de entre continentes.
E a senhora, inconformada, teimava em chorar, como o fazia desde o primeiro dia da viuvez, rogando a Deus por justiça ainda aqui na terra.
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Na fashion week da mesma cidade, uma modelo famosa, top model, acaba de destratar uma das camareiras, exatamente às 18h. Ainda era dia de finados.
Durante o voo, entretanto, a jovem e exuberante moça, loira natural, pernas longas, sorriso fácil nas passarelas, mas de semblante fechado fora delas, passou mal e teve que se dirigir, às pressas, ao toalete. Uma criança, no auge dos oito aninhos, apegada material e sentimentalmente ao novo celular recebido da avó, a senhora Perpétua Rosário Dasdores, comenta:
– Vó, a senhora sabia? Ela demorou 15 minutos pra voltar!
– A pobre moça estava fazendo amenidades, meu netinho. Amenidades!
Nijair Araújo Pinto
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