Tuninho Hilário
Nunca houve na história deste país figura mais engraçada do que Tuninho Hilário. Ele era tão engraçado, que bastava dizer 'bom dia' para que todos caíssem na gargalhada, como tivesse falado a mais nova pérola piadista.
Tuninho tinha este dom natural e, diferente do que se possa pensar, não era feliz por fazer os outros felizes.
Na verdade, Tuninho Hilário trazia em si uma grande tristeza a lhe moer a alma.
Não que sua vida fosse terrível. Não. Ele não sofria de nenhum mal irremediável, não havia nenhuma doença na família, tampouco tinha grandes dificuldades financeiras. Não estou dizendo que ele nadasse em dinheiro, não é isso, mas ele passava seus pequenos apertos, como 95% do povo brasileiro.
Não podemos dizer também que fosse feio. Bonito não era, é bem verdade, mas feio… feio mesmo, daqueles de doer, não era, não, senhor. Façamos-lhe justiça.
Mas, apesar de tudo, não era feliz, e o que lhe causava ainda mais depressão era que tudo o que dizia ninguém levava a sério. Todos pensavam, todos mesmo!, que o que dizia era brincadeira e, muitas vezes, o que ele queria era apenas um ouvido amigo que pudesse lhe escutar, sem risada, sem julgamento.
Resultado: foi acumulando alegrias, prazeres, mágoas, ressentimentos, raiva e outros sentimentos, bons e maus, ao longo dos anos, sem poder compartilhar com ninguém.
Este dom de fazer os outros rirem começou muito cedo. Desde o berço, os pais, avós e amigos da família, quando ouviam o pequeno Tuninho chorar, caíam na gargalhada. O dom que o Céu lhe deu se transformou numa maldição grega, daquelas com que os deuses desagraciam os pobres mortais.
E quando numa conversa ele soltava alguma frase que os outros achavam serem pérolas, de tão engraçadas, e todos caíam na gargalhada, ele ficava aflito e dizia:
– Não, eu não tô brincado, não! Juro!
O riso dobrava, e tinha gente que perdia o ar, outros faziam xixi nas calças, de tanto rir.
Com isso, a tristeza só aumentava, aumentava, aumentava. Uma vez, vendo um programa de TV destes que passam de tarde (porque ele já nem saía do quarto), Tuninho teve a ideia de procurar ajuda profissional, porque, afinal, profissional que é profissional mesmo não vai cair na gargalhada, não é mesmo?
Ledo engano.
Tuninho procurou na lista telefônica um terapeuta perto de sua casa. Foi de pijama mesmo, tendo uma capa de chuva por cima.
Quando chegou ao local, na hora em que o terapeuta abriu a porta, deu uma boa olhada na sua figura e ouviu Tuninho dizer 'boa tarde', o homem (que já era um senhor de idade, com alvos cabelos brancos) caiu na gargalhada.
Tuninho nem entrou, deu meia volta, retornou para casa e foi direto para a cama. Mas a dor era tão intensa, que ele decidiu tentar novamente.
Agora resolveu procurar um profissional de alta estirpe, não estes de lista telefônica, não, senhor. O bambambã tinha consultório na Delfim Moreira – com vista cinematográfica - de frente para o mar, e o valor da consulta equivalia a três meses de seu salário, mas Tuninho estava tão desesperado, que fez um empréstimo no banco e foi – cheio de esperança – ao consultório da celebridade terapêutica.
O médico, um jovem com cabelos arrepiados, roupa descolada e óculos de intelectual de boutique, recebeu-o todo compenetrado, sem sorriso, sem gentilezas, com o nariz levemente arrebitado, e muito ciente de sua qualificação profissional.
Um fio de esperança começou a nascer em Tuninho na mesma hora. Ele se animou, porque o terapeuta não riu neste primeiro momento e se mostrou antipaticamente sério. Mas como Tuninho não estava ali para fazer amigos e, sim, para resolver o seu problema e conseguir colocar suas aflições para fora, tendo um ouvido amigo que pudesse escutá-lo, não se importou. Profissionalismo era o que buscava e pagava além de suas posses para isso.
A primeira pergunta que o terapeuta fez foi sobre sua mãe. As mães sempre são culpadas por tudo, não é mesmo? Pois é. Apesar de aparentar ser todo ‘modernoso’, o terapeuta tocou no ponto clássico: encontrar uma desculpa para xingar a genitora de qualquer um.
Tuninho não se importou. Ele tinha um bom e amoroso relacionamento com a mãe, assim como com a família inteira. Não era este o problema.
O problema é que ninguém o levava a sério; ninguém o escutava, inclusive a mãe, o pai e todos do clã. Mas Tuninho estava disposto até a inventar algumas calúnias contra a genitora, caso fosse necessário, mesmo se fosse apenas para que alguém o escutasse e não começasse a rir da história de suas aflições.
Na primeira frase que falou, Tuninho olhou para o terapeuta, e este se mostrava com a dignidade que convém ao cargo que ocupava. Com a mão segurando o queixo, olhos atentos, o nariz ligeiramente arrebitado franzido, demonstrando grande concentração no que escutava.
Tuninho se animou, porque pela primeira vez em toda sua vida ele dizia uma frase e ninguém ria.
Cheio de esperança, Tuninho disse a segunda frase e notou que o nariz arrebitado do terapeuta franziu mais um pouco e que sua boca teve um leve franzido também, como se buscasse conter algum som que a garganta quisesse expressar.
Desconfiado, Tuninho continuou xingando a mãe e rezando para que aquela careta que ele via na cara do terapeuta, não fosse um prenúncio de gargalhada.
Tuninho falou a terceira frase, e a boca e o nariz ficavam mais e mais franzidos, como se o terapeuta estivesse buscando conter uma grande, imensa explosão.
Na quarta frase, o descolado profissional não aguentou e soltou uma gargalhada que – valha-me Deus! – foi ouvida por todo o Leblon, quiçá, por toda a Zona Sul do Rio de Janeiro!
Não adiantou xingar a mãe. O terapeuta perdeu toda a fleuma e se curvou de tanto rir; parecia uma criança se deliciando com um palhaço no picadeiro.
Uma decepção.
Uma não. Mais uma!
Foi a última vez que Tuninho procurou ajuda profissional.
“Sou um caso perdido, não tenho jeito, não”, disse a si mesmo e, ao se ouvir, teve vontade de rir, mas se conteve.
Seria desmoralização demais para uma só pessoa.