A FANTÁSTICA FÁBRICA DE MEDIOCRIDADE

A FÁBRICA DE MEDIOCRIDADE

                                     (Inspirado em um tema de Helen P. Buclker)

Carlinhos é um menino de quatro anos que está indo à escola pela primeira vez. A escola fica em um prédio imenso e ele se sente muito pequenino quando olha para ele. Mas como é  um menino mito esperto, logo descobre onde é a sala de aula, o banheiro, a sala de desenho e o parquinho. E assim que começa a andar sozinho pelo prédio ele já não lhe parece assim tão grande. É que o mundo fica pequeno quando nós aprendemos a andar nele  e a botar os nomes das coisas que nele existem.
No primeiro dia de aula Carlinhos e seus novos amiguinhos  foram levados para a sala de desenho e a professora disse para os alunos: ― Hoje vamos aprender a desenhar.
“Oba!”, pensou Carlinhos. Afinal, isso era uma das coisas que ele mais gostava e desenhar era com ele mesmo. Ele sabia fazer muitos desenhos. Em casa ele desenhava árvores, sóis, luas, crianças brincando, rios de água azulzinha, cachorros e gatos, cadeiras, passarinhos, um monte de coisas tão bonitas que as pessoas ficavam admirando como é que um menino tão pequeno já era capaz de fazer tudo aquilo.

(Todas as crianças são. Os adultos é não acreditam nisso porque estão sempre preocupados com o que eles mesmos não sabem do que são capazes.)

E logo ele pegou sua caixa de lápis de cor e começou a desenhar um camelo. O camelo era bonito. Tinha uma baita corcova que parecia um pão-de-ló, pernas longas e finas como cabos de vassoura. O rabo era comprido como um chicote. Já estava começando a pintá-lo de um amarelo vivo quando chegou a professora e disse para ele: ― Espera um pouco, Carlinhos. Eu vou dizer para você o que a gente vai desenhar.
Carlinhos parou o que estava fazendo e esperou. Então a professora falou: ― Vamos aprender a desenhar flores.
“Que bom,” pensou Carlinhos. Afinal, desenhar flores também era muito legal. Em casa ele desenhava muitas flores. Flores de pétalas curtas e compridas, finas e largas, com cores brancas, amarelas, verdes, roxas, vermelhas, azuis, de tudo que era cor. E logo ele começou encher a folha com muitas e multicoloridas flores.
Logo a folha branca que ele rapidamente preenchia se tornou um campo em plena primavera. E aí veio a professora de novo e disse: ―Espera aí, Carlinhos. Não é assim que é para fazer. Eu vou ensinar como é. ― É assim, tá?.
Então ela desenhou uma flor de pétalas curtas e vermelhas, com um caule verde e fininho. Carlinhos olhou para a flor da professora e pensou que as flores que ele desenhara eram muito mais bonitas, mas professora é professora. Se era professora então ela estava certa. As professoras sempre estão certas. Por isso ele desenhou uma flor com um caule verde e bem fininho e depois pintou suas pétalas curtas com um vermelho bem vivo.

Numa outra aula eles foram trabalhar com massinha. Essa era outra atividade que Carlinhos gostava muito. Ele sabia fazer soldadinhos, hominhos, bolas, cavalos, bicicletas, cadeiras, e até o cachimbo do papai ele conseguia modelar direitinho.
E ele logo começou a fazer um monte de coisas. Então, mais uma vez, veio a professora e disse:
―Calma, Carlinhos, você é muito apressado. Deixa primeiro eu ensinar como é que faz. Então ele desmanchou todas as coisas que fizera e esperou.
―Vamos fazer uma xícara ― disse a professora.
“Legal,” Carlinhos pensou. Ele sabia fazer xícaras muito bonitas. Xícaras finas, compridas, largas, abauladas, retas, cônicas, de todos os tipos que a mamãe tinha em casa. E ele logo começou a fazer uma bela xícara com boca de sino e duas asas tão redondas quanto os aros da sua bicicleta.
―Não, não, Carlinhos. Não é assim que se faz ― disse a professora. ― É assim, ó.
E ela fez uma xícara reta como um cilindro e com uma asa só. Carlinhos olhou para a xícara da professora e pensou que a que ele fizera era muito mais bonita. Mas professora é professora e se ela dizia que a xícara tinha que ser assim, então era assim que ele devia fazer.  Carlinhos desmanchou a sua e fez uma igualzinha à dela.

E foi assim que Carlinhos aprendeu que devia esperar que alguém mais sabido que ele o ensinasse a fazer as coisas. Afinal, ele era uma criança e as crianças não devem ficar tomando iniciativa de nada.
No ano seguinte os pais de Carlinhos foram morar em outra cidade. E ele foi para outra escola. No primeiro dia de aula a professora começou a aula dizendo:
― Crianças, hoje vamos ver quem sabe desenhar.
“Oba”, pensou Carlinhos. “Desenhar é muito legal.” E aí todas as crianças pegaram seus lápis e folhas de papel e começaram a desenhar um monte de coisas. Cada um desenhando o quem bem entendia. Carlinhos ficou esperando. A professora, vendo que ele estava parado, perguntou: ―Carlinhos, você não gosta de desenhar?
―Gosto, tia ― respondeu ― Mas desenhar o quê?
―Qualquer coisa ― respondeu a professora ― O que você quiser.
―E de que cor a gente vai pintar?
―A cor que você achar mais bonita.
―Por que todo mundo não pode desenhar igual? ―perguntou Carlinhos.
―Por que se todo mundo fizer igual, como é que nós vamos saber quem fez? ― respondeu a professora.
Então Carlinhos desenhou uma flor de pétalas curtas e vermelhas. E ela tinha um caule verde e fininho como uma perna de passarinho

 



João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 30/09/2012
Reeditado em 30/09/2012
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