Para Lelas e Verticais - O Conto que Originou o blog de mesmo nome.
As linhas na pele denunciavam a idade avançada. Vestes negras. Emudecida fala; tinha uma garotinha encostada ao peito, contando uma a uma as batidas do velho coração, acariciava-lhe os cabelos ralos e finos, desfiava-os, como areia a escorrer entre os dedos.
De repente um grito, louças se estilhaçando na cozinha, soluços e lágrimas.
A minha vida não é uma história propriamente dita, são recortes imaginários, são retas que ora se cruzam, ora não se tocam jamais, sendo inúteis aí as inúmeras afinidades; não quero com isso propor a tese de que os opostos se atraem como inclusive a física poderia sugerir, quero, porém, dizer com isso que a vida é construída a partir de retas paralelas e verticais e das várias ‘’combinações’’ existentes entre elas.
- Bom dia!Por favor, eu poderia falar com a senhora Manoella?
- Diga sou eu mesma.
- Bem senhora desculpe o incomodo, mas acho que é algo de seu interesse...
Ouve o clique do telefone sendo desligado do outro lado da linha.
O que haveria de ser?O que poderia ser de seu interesse?
O telefone toca novamente.
-Bom dia!Falo novamente com a senhora Manoella?
-Certamente.
- Aqui é do hospital onde sua avó está internada..
-Desculpe, só pode haver algum engano não tenho nenhuma avó internada.
-A senhora chama-se Manoella Freitas?
-Sim sou eu mesma.
-Então estou falando com a pessoa certa!
-Minha filha você só pode está se referindo a algum homônimo meu.
-Ho o que senhora?
-Você pode passar o endereço do hospital?
-Sabia que ia se interessar!
-Não se trata propriamente de interesse, mas de corrigir um engano, um mal entendido.
- Confesse a senhora ficou intrigada não ficou?
-Você poderia se ater somente ao seu lado profissional e deixar suas curiosidades de lado?
Riscou o endereço várias vezes com os olhos,ousou apagá-lo,contudo seria capaz de fazer o percurso de olhos fechados.
A telefonista estava certa era um assunto de seu interesse.
-A senhora ta vendo aquele corredor?Siga em frente, depois da bifurcação dobre a esquerda quarto 307.
Todo o corpo vacilava diante da situação. Meu Deus!Havia um homem guardando a porta, identificou-se e ouviu:
-Ela está esperando por você!Esperou por esse dia durante... Durante... Desculpe é melhor a senhora entrar.
O estilhaçar da louça, gritos, intensa correria, soluços e lágrimas.
Abraçou-a amorosamente como se estivesse abraçando a sua própria vida, ou o seu momento final. Olhou-a nos olhos gastos, beijou-lhe as faces descoradas.
-Minha filha!Que bom que veio... Sabia que viria!
-Não diga nada, por favor, perdoe-me... Simplesmente me deixa te abraçar, ouvir o teu coração.Eu te amo tanto, esperei tanto pra te dizer isso e naquele tempo eu... Eu nem conseguia falar...
-Segure a minha mão, por favor!Eu precisava tanto de você, tanto... Aperta minha mão pra que eu possa ir...
Lela apertou-lhe as mãos que estavam ficando cada vez mais frias, olhou-a nos olhos, foi a última vez que vira aqueles olhos.
De repente gritos, correria intensa pelo hospital, mal conseguia suster-se de pé.
-Calma senhora sente aqui. Ela só chamava por você, era de sua presença que precisava pra partir, me disse isso, e disse também o quanto a amava.
-Eu jamais havia visto aquela senhora antes.
Tomou as velhas mãos entre as suas e contou do telefonema recebido pela manhã.
-Não sei se me entende, mas foi a mesma dor, talvez até pior, agora ela estava misturada a sentimentos amargos e dores que não sentia quando criança.
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Ele originou o blog de mesmo nome.Não deixe de conhecê-lo.
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