Minha história de leituras
Minha história de leitura
“ Tem sido assim desde o princípio: a história dos meus dias, a história da minha vida, cada história que posso contar guarda em si outra história inenarrável. Um tormento, porque tenho a esperança de que façam sentido as palavras e sentenças que vou justapondo, preto no branco, a trama visível, mesmo que a mim mesma escape o nexo da história que conto e o sentido daquela que não posso contar. Como a vida, os fatos são fragmentários, a coerência suspeita. As palavras e sentenças, desta forma, no máximo podem flutuar acima do quero, ou do que pretendia, dizer. Eu queria contar uma história de amor.”
Prefácio do livro Duas Iguais, de Cíntia Moscovich
Eu quero contar uma história de leitura. Muito cedo, aprendi com os livros, o descobrimento das facilidades de viajar para mundos não possíveis durante a minha infância no interior da cidade de Torres. Fui uma menina pobre, com muitos irmãos e uma imensa solidão entremeada com os gritos nervosos de uma mãe sempre cansada. As letras foram se chegando para mim nos períodos em que os meus irmãos mais velhos eram alfabetizados em casa, pois a escola ficava muito longe. Eu possuía uns quatro anos e ficava atormentando todos com um livro na mão, pois amava as imagens, mas letras ainda me eram coisas sem sentido. Entre os cascudos dos irmãos e os berros da mãe fui aprendendo a ler em imagens das histórias em quadrinhos, nas fábulas e nas poesias. O que não sabia ia interpretando e perguntando muito, era uma verdadeira Emilia infernal. Aprendi a ler com cinco anos, entrei para escola quando nos mudamos para Porto Alegre com seis anos completos e já era uma leitora experiente.
Nunca gostei da sala de aula, pois era muito inquieta, ficar sentada por muito tempo se tornava uma agonia, vivia arrumando desculpas para sair. A biblioteca era meu caminho natural, lá se tornou meu espaço predileto na escola. Conheci os livros da coleção do Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro lobato e os li todos. Lá meus oito anos conheci o livro A fada que tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida, foi amor às primeiras páginas de leitura. Minha professora da quarta-série (eu acho) trouxe um fragmento do livro e o leu. Senti-me a própria Clara Luz, afinal, também odiava as cartilhas, suas lições enjoadas e repetitivas. Estava sempre com indagações fantasiosas as quais algumas professoras odiavam e outras adoravam. Demorei em ler todo livro, pois dinheiro se constituía num produto raro na minha casa. Minha progenitora nunca me deixava ir ao turno inverso ler na escola, pois tinha que cuidar dos irmãos mais novos e arrumar a casa.
Mas, ao final do ano letivo (não sei se quarta ou quinta-série), eu consegui conhecer todas as aventuras da Clara Luz, nunca mais esqueci que não podemos aceitar aquilo que nos incomoda, devemos questionar sempre. Lembrando que esse livro recebeu vários prêmios e foi escrito num período de ditadura, porém a astúcia e criatividade da escritora Fernanda Lopes de Almeida conseguiu driblar. Lá pelos meus doze anos (acho), uma professora da sétima-série leu a primeira pagina do conto O Alienista, de Machado de Assis. Fiquei fascinada com o Simão Bacamarte e a casa verde. Eles me enlouqueceram, enquanto não li o conto completo não deixei a minha professora de Português em paz. Como a minha boa mestra entendia que os livros eram caros e eu muito pobre, ela me emprestou. Não entendi muito bem na primeira vez em que eu li esse conto, talvez pela pouca idade, não sei... Porém, adorei. Depois o li novamente no ensino médio e o entendi melhor, continuei gostando. Finalmente, o li na Faculdade de Letras (o meu caminho natural), nada mudou o Simão ainda me mantinha cativa como aos doze anos.
Hoje, adulta e professora de Português, Literatura sigo o rumo natural de todos os leitores que iniciaram cedo a sua trajetória. Leio para aprender, para viver, me divertir, pra lembrar e para esquecer. Leio em todos os lugares: no ônibus, na lotação, na sala de aula e possuo muitas situações engraçadas pelo meu continuo desligamento literário. Tenho muitas paixões literárias, além dos autores clássicos, vou citar alguns que fazem parte da minha história de leitura: Inês Pedrosa, Bernardo Carvalho, Cristovão Tezza, Cintia Moscovich, Irvin D. Yalom, Gabriel Garcia Marquez, Moacyr Scliar, Clarice Lispector, Lya Luft, Lygia Fagundes e entre muitos poetas que leio constantemente. A leitura deveria ser nossa moradia, nosso habitat e não uma obrigação. Não creio em fórmulas para formação de leitores na escola. O professor leitor arrebata o aluno, pois conta as suas historias de leituras durante as aulas. Acredito que não deve ser a obrigação que conduz os alunos a biblioteca da escola, sim a paixão os guia.
Professora Marisa Piedras
Especialista em Língua Portuguesa
Mestre em Letras