- NA PORTA DO MEIO -

- NA PORTA DO MEIO –

Não existe uma regra que possamos usar para discernir se o comportamento de alguém é ou não uma máscara. Se esconde um demônio ou um anjo, caído ou não.

A vida é a rua: longa ou curta, reta ou torta, por onde tudo passa, passa o ônibus. Hxh2469 somente por coincidência era a placa da condução matinal pegada por Átila todas as manhãs, que eram sempre iguais. Questionava-se o porque de tanta singularidade, tanta monotonia. Achava a vida curta e rápida para se resumir a algo tão insignificante como a que levava. Saía de casa cedo, já procurando no que pensar. Pensava na vida, mas a própria era tão sem graça, sem êxtase. Não deixava auto-enganar-se, já não esperava nada de mais, nem de surpreendente. Notou que estava morrendo aos poucos, e já não sabia como fazer parar aquele fluxo de autodestruição.

O dia amanheceu mais claro, de um branco amarelado, diferente. O corrupto ônibus começou o dia variando, veio mais cedo, como quem planeja algo e tem pressa. Mas Átila já estava lá, e percebeu o adiantamento da condução quanto ao horário, mas porque mudar ? seria somente por hoje ? Que fosse , pois não poderia ser, mudança ? Não, o caminho parecia tão reto ! E dentro da lataria, a mesmice continuava, com as mesmas figuras já sem forma, desfiguradas. Um senhor de meia idade, com cabelo estranho e cara fechada ia sempre na mesma cadeira, próximo ao trocador. Uma mulher morena, com uma criança de colo e sempre falando alto ia durante todo o percurso conversando com o motorista. Um rapaz bem aparentado e com barba por fazer ia sempre em pé, para poder segurar forte na barra de ferro superior e, assim, mostrar o volume dos músculos. Estes entre outros, eram os rostos vistos por Átila todas as manhãs.

Nunca trocara uma palavra sequer com algum deles, mas via estranheza naquelas pessoas. A porta do meio já era uma velha conhecida de Átila, se tornara o lugar de refúgio do rapaz da bolsa jeans, assim era como imaginava que os demais pensavam de si, e pensava certo. Era na porta do meio que via todos os dias o que as ruas cruzadas tinham para lhe mostrar: o nada, o tudo. Na porta do meio era onde sentia-se mais só, pensava mais nas coisas da vida, onde menos esperava algo novo acontecer, onde a vida lhe pregaria uma peça que jamais esqueceria, e que lhe daria mais vontade de viver.

Pensava e queria saber o que seria o imoral. O que estaria por trás daquelas mentes viajantes da conhecida lataria ? será que eram pessoas imorais ? será que as paradas de ônibus seriam as fases da vida ? e os passageiros ? Via e pensava em tudo isso; na porta do meio. A condução já encontrava-se na metade do percurso quando alguém que estava a sua espera deu sinal e, na parada, dentre outras pessoas, Átila viu uma mulher aparentemente jovem, com uma criança do sexo masculino em seus braços lhe sugando o leite do seio esquerdo. Átila apenas observou calado e pensativo, lembrando-se da infância e de quão inocente era aquela criança, pois em alguns anos, quando a juventude lhe chegasse, passaria a ver o seio feminino com outros olhos, outros desejos.

O ônibus seguia em linha reta, e mais questionamentos chegavam a Átila. Queria agora saber quem seriam aquelas pessoas quando sós, entre quatro paredes. O que fariam com seus corpos? E com outros corpos ? como fariam para se satisfazerem ? Via e pensava em tudo isso; na porta do meio. Alguns instantes depois, o ônibus apanhara outro passageiro e, dessa vez, Átila viu na parada um garoto que deveria ter cerca de treze ou catorze anos, e que comia em um copo que estava um tanto cheio, uma porção de salada de frutas, e pelos seus dedos escorria um liquido viscoso, desses usados para adocicarem as saladas e de cor amarelada. Vagarosamente escorria, e o garoto como quem estava saboreando lentamente o alimento, não se intimidava em fazer no rosto a expressão de aprovação, fechando os olhos com a refeição ainda sendo mastigada, dava um leve gemido, lambendo os lábios. Átila lembrou-se da adolescência e como boa foi esta fase, a fase das fantasias, dos primeiros amores, das aventuras sem pensar, das bobagens feitas e no arrependimento pelas que deixou de fazer.

O ônibus continuou no devido percurso, e Átila agora questionava-se e irritava-se internamente ao mesmo tempo, querendo respostas imediatas para tais questões: porque certos amores incomodam tanto o homem, quando há coisas muito piores e absurdas com quais se preocupar ? qual seria o tamanho da hipocrisia do ser pensante em julgar severamente pessoas que nem conhece ? que prazer isso lhe causava ? somente queria saber . O coletivo encontrava-se agora passando por cima de um antigo viaduto. Lá de cima, Átila teve uma vontade repentina de cuspir, mas isso só valeria a pena se pudesse ver em quem iria acertar; um homem, de preferência. A lataria descia agora o viaduto. Um pouco à frente, Átila viu um guarda de transito que fazia sinal para os veículos dobrarem à rua do lado direito, um acidente acontecera e o trajeto teria que ser mudado, pouca coisa, muita coisa. Átila mal sabia, mas algo de interessante lhe esperava naquela curva ...

Continua ...

Alex Costa
Enviado por Alex Costa em 28/09/2012
Reeditado em 28/03/2013
Código do texto: T3905934
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