DECADENCE

E lá estava eu pela manhã. Havia deixado meus afazeres e depois de uma caminhada de quarenta minutos chegava no pronto socorro.Uma azia e queimação no dia anterior, dizia que havia vomitado, quando na verdade nem enjôo sentira, apenas a queimação, quem sabe com um pouco de força de vontade... poderia ter ido ao trabalho a enfrentar mais um dia trancada enquanto fora reluzia mais um belo dia de Sol. Mas fui ao médico.Ele balbuciou algumas palavras em português, quase um sussuro e segui pra sala de medicação; soro com dois tipos de remédios.

Sentada ao meu lado havia uma senhora tão despedaçada quanto o prédio do pronto do socorro.A olhei e odiei a velhice.

Para sala ao lado segui com o frasco de soro aplicado ao meu braço.Senti um horror extremo ao ver que parte de meu sangue estava visivelmente fora do corpo, passeava entre a seringa e o longo canudo que ligava ao frasco de Soro.As gotas da solução caíam lentamente e ingressavam ainda mais lentamente com sangue que voltava e algumas bolhas de ar. Demoraria horas até se esgotar a medicação, dois toques, alguns ajustes e as gotas passaram a cair rapidamente.

Um homem quase deitado na cadeira , e depois uma mulher se tornaram meus estranhos colegas .Ele entendia bem como o soro funcionava, reclamava de dor, cansaço e fraqueza sem força para ir trabalhar. Ela fazia faxina de noite em um restaurante.Ambos tinham os rostos encardidos e amassados embora ainda não fossem velhos.Os dentes dele quebrados. Os dela muito amarelados.Não sei se existe cura para a infelicidade, talvez o soro seja melhor do que seguir para o trabalho.Ser escravo, ganhar pouco, trabalhar muito e nunca ser feliz, ainda que se precise trabalhar para ter o que se precisa, nunca tudo, apenas o suficiente. O soro seria como um consolo por alguns momentos, talvez se conseguisse um atestado , e um dia em casa, a grande felicidade. Me odei por estar ali.Temi absurdos, talvez o remédio fizesse mal pois todos eram encaminhado para o soro. Ou talvez não fizesse nada, apenas uma máscara do estado para sanar o problema da saúde.O soro já havia sido consumido pela metade quando desisti daquela medicação. Fizera-me mal, estava ainda mais enjoada.Mas era o meu cérebro. Voltei ao médico e lhe contei que a medicação me fizera mal.Falei com ele como se fala com alguém que não mais ouve.Não sabia mais ouvir. Via-se o descaso em sua expressão cansada, triste, como tudo que havia ali.Se aquilo era melhor que seu país, então seu país era muito pior que tudo aquilo.

Por fim, jurei que não mais voltaria lá. Não existe melhor tratamento que a prevenção para os nossos desenganos.Não existe remédio para a frustração de uma vida pessoal.Com a declaração de comparecimento inútil pra justificar faltas, sai e encontrei novamente o sol e andando de volta pra casa pude respirar um pouco de felicidade,voltei a ter esperança porque me lembrei que hoje era um dia muito especial.

Mariana Montejani
Enviado por Mariana Montejani em 28/09/2012
Reeditado em 28/09/2012
Código do texto: T3905842
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