Uma conversa com Jorge Amado

Nunca fui de conversar muito. Talvez, nunca houvesse encontrado com quem conversar. Oportunidades eram poucas, fincar raízes em um determinado local era raro, já que meus pais viajavam muito. Amigos passavam por mim, assim como passa uma brisa sob os cabelos. Nas primeiras semanas após minha partida para um novo destino, ainda mantínhamos contato. Porém o tempo passava e a amizade caia no esquecimento, os assuntos divergiam e raramente havia um tema que agradasse a ambos. Passávamos a nos distanciar e a partir dai a cortar o elo de contato ainda existente.

Posso dizer que fazer amizades é a coisa mais difícil que existe. Cada pessoa tem um jeito, uma maneira de ser e consequentemente determinados hábitos que podem ou não nos agradar. Por não possuir irmãos quase não falava. Meus pais estavam sempre atolados no serviço. Ficava com Matilde a empregada, uma senhora de meia idade, que estava com a minha família desde antes de eu nascer. Apesar de ser alguém para dialogar, ela nunca entendia meus assuntos. Achava-os sempre infantis demais, dando pouca importância para o que dizia.

Em meio a essa solidão, trancava-me no quarto, entregando-me aos livros, que pareciam ser os únicos que me entendiam. De Lobato á Dostoiéviski passaram pelas minhas mãos. Dos clássicos de Júlio Verne ás aventuras do Fildago de La Mancha, atravessaram minha infância, tentando suprir esta grande lacuna que minha vida possuia.

O Eco da campainha soou pelo apartamento. Matilde abriu a porta e recebeu a encomenda. A caixa era pequena, e para minha surpresa esta era destinada a mim. Ansioso, abri o pacote na espera de uma surpresa. Dentro desta, envolto em um fino papel, estava um livro de título “Gabriela Cravo e Canela”. Olho o remetente, não vejo nada, além de duas iniciais que pouco sentido faziam: J. A.

Curioso, abro o livro e me entrego à leitura. Na minha imaginação, um senhor de barba grisalha, com bengala em mãos, recostado em uma rede parecia contar a história da chegada da jovem retirante à cidade de Ilhéus. A cada página virada sentia algo diferente, algo nunca antes ocorrido comigo, sentia como se esse senhor se materializasse e estivesse ali dialogando comigo e contando as peripécias daquele povo tão divertido. Olhava pra ele, ele retribuía, e com carinho instigava-me a virar as próximas páginas.

No universo baiano. Em meio ao cheiro de cravo e a cor de canela, fui envolvido pelos encantos da mulata Gabriela, e assim como Nacib, rendi-me aos seus deliciosos quitutes e a sua beleza.

Cheguei à última página, e olhei o nome do autor “Jorge Amado”.

Sempre pensei que nunca teria um amigo fixo, aquele que fosse para onde eu fosse, aquele que me entendesse, dialogasse comigo e sempre estivesse lá para dar um bom conselho. Jorge Amado foi a excessão. A cada livro sinto um gosto diferente, uma sensação harmoniosa, sem palavras para explicar e muito menos para expressar em uma única folha de papel.

Acabado o livro, guardei-o na estante. Volto à sala a vasculhar os cantos na busca do envelope. Em meio a esta procura ficava a pensar: seria mesmo o que estaria pensando? Será que o próprio Jorge, teria me mandado o livro? Isso talvez nunca saiba. Matilde fora mais rápida jogara o papel fora. Na minha memória as letras permaneciam, mas quem ia acreditar.

Não culpo meus pais por tamanha solidão, creio que só tenho a agradecer. Amizades vão e vêm, assim folhas de papel, o que diferencia uma da outra é o que se absorve de cada uma destas e as marcas que deixam em nós. Jorge Amado me fez abrir um novo olhar para as situações da vida, enxergando que amizades não são meros contos de fadas, mas que estas existem, e estarão sempre ali na estante mais próxima, prontas para serem folheadas e conversarem conosco.

Vinícius Bernardes
Enviado por Vinícius Bernardes em 27/09/2012
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